Muito além de advogar – Eduardo Surian

Muito além de advogar – Eduardo Surian

Eduardo Surian

Sócio fundador e gestor da LBS Advogados, diretor do Instituto Lavoro e pontepretano.

O mundo lá fora não está fácil. Milhões com redução de ganhos, longe do trabalho e na dúvida se existirá trabalho. Milhões sem trabalho.

Os dias continuarão a passar; o entardecer continuará a ser um espetáculo; tudo é uma questão de tempo. Respirar fundo; pensar; vivermos estrategicamente um dia pós o outro; essa é a nossa melhor garantia.

O aprendizado das lembranças nos faz brincar e acreditar na vida. Nas lembranças, as superações se encaixam, mas fundamentalmente o peso para superá-las é o agir do presente. Nesse momento, o exercício da transparência com as crianças, o viver conscientemente, mas não transformando o medo em culpa é o grande desafio.

As mudanças são os registros de nossas lembranças; são os movimentos permanentes que fazemos em nossas vidas. Na maior parte das vezes, são silenciosos; são pequenos e grandes ao mesmo tempo. Movimentar-se e acreditar que estamos buscando algo; transformar aquilo que vivemos nos traz prazer e dor; nos traz um viver, para lembrarmos noutro momento.

A loucura finge que a vida é normal, e nós fingimos ter paciência, mas os tempos de hoje pedem de nós uma grande reprogramação de nossas vidas. Para alguns, o fingir que tudo é normal é a capa para esconder o quanto precisamos nos desafiar a aproveitar esse mundo, pois se a vida é tão rara, esse saber viver consciente dos nossos passos é um grande diferencial para que tenhamos mais um pouco de alma.

Esses tempos provaram que é possível racionalizar o trabalho; que a casa é um grande ponto para nossas vidas, um local de encontro, de proteção antes de tudo. A combinação desse viver fez olhar que muitos de nós perdemos um tempo gigantesco nesse acelerar do tempo. Horas e horas consumimos para nos deslocar.

Isso tudo é um aprendizado nesses tempos. Valorizar essa vida que é tão rara é o grande ganho para esses tempos.

Não é simples o planejar nessas horas, pois esse pode ser meramente um exercício de fantasia, afinal não temos a segurança do presente para projetar o futuro, mas temos um agir.

Lembrei-me do zumbido nas abelhas na pitangueira de casa na segunda de manhã. Por alguns minutos, fiquei ao lado escutando o barulho delas no festejar da florada. Em algum momento, a vida traz a flor para as abelhas.

E aí quando a gente balança, sempre temos alguém a nos olhar por perto.

Qualquer momento de angústia precisa ser vivido. Não tem toque mágico; não tem como imaginarmos que levitaremos no paralelo; que estaremos isentos a tudo, para ficarmos indiferentes a isso. Se ficarmos indiferentes, estaremos sem máscaras nas ruas; acharemos que tudo é normal; não nos protegeremos; não buscaremos medidas para a nossa proteção; não existirá ponderação para procurar o guarda-chuva, a capa, ou não sair de casa. A chuva poderá nos molhar; o pior, poderemos ficar à mercê dos raios, das estradas sem a devida visibilidade.

Viver a angústia, a impotência desses momentos tem dor, tem dificuldade, mas estamos olhando para ela, convivendo com nossas fraquezas. Aí agir é o caminho. A combinação de parágrafos trouxe-nos até aqui. Uma combinação cujos textos potencialmente se conversam para virar esse livro. Exatamente esse emaranhado formou esse escritório. Um lugar onde o encontro coletivo produz o brilho e a descoberta das individualidades. Nesses anos todos, o passado sedimentou um presente para construção de um futuro.

O Direito do Trabalho, que é o nosso alimento, ganha sabor, pratos coloridos, com um olhar que desafia a escassez. Sempre vou me lembrar de ser um advogado porta de fábrica, porta de garagem ou porta de agência. Esse significado corresponde a estabelecer o diálogo com quem efetivamente está sentindo a relação do trabalhar. O desafio de advogar nos anos oitenta, com uma lei de greve que a proibia, com um movimento sindical sempre tratado como caso de polícia foi uma grande base.

A relação capital/trabalho é marcada pela exploração, pelo resultado onde o capital tem no trabalho a mola para que os lucros surjam sem grandes esforços, mas exatamente pelo trabalho em grande esforço. Nesse caminho, o prazer em trabalhar se torna ponto de reflexão. O trabalho na fantasia é, muitas das vezes, o exercício de um prazer; nosso papel surge ao mostrar que é possível imaginarmos que ele não corresponda ao resultado fácil da exploração; que ele possa sim contrariar a lógica da exploração, numa transformação para sonhar com a fantasia.

O Direito do Trabalho, em parte, nos forneceu essa ferramenta. Quando começamos, o conhecer foi o impulso a saltar os obstáculos que surgiam nos caminhos, pois a construção de um mundo de respeito, de Direitos, em que enfrentar as dificuldades não nos trazia a paralisia, o impedimento de não procurar o prazer do trabalho. Nesse caminho, o capital continua também a se reinventar; a ampliar seus muros na imediatidade que seus obstáculos são superados. De certa forma, essa reinvenção permanente do capital transformou o Direito do Trabalho em um inimigo.

Preservar resultados e rendimentos fáceis sem grandes esforços nos tempos atuais significa ter um Direito do Trabalho distante. Flexibilizar, terceirizar, precarizar e até escravizar são verbos extremamente conjugados pelo capital no século XXI.

Por sua vez, nosso papel também é um reinvento, um caminho de resistência. Assim, vamos reunindo uma juventude, uma construção de sucessão. Novos olhares para pensar caminhos; aprender com aqueles que um dia trilhamos, mas que, com certeza, olham para a realidade presente; os desafios para superar os novos obstáculos.

No primeiro momento reconhecer, esclarecer, conscientizar, falar, denunciar, construir, emancipar são os verbos para nossa conjugação, pois mudar caminhos e olhar alternativas são nossos estímulos.

Mas além dos verbos para mudança, essa também nos pede que insistamos em uma construção em que o coletivo seja sempre pensado. O século XXI, os avanços tecnológicos, transformaram a vida nos festejos da individualidade. Somos educados, criados, num ambiente em que o indivíduo precisa concorrer; em que ele alcança o que almeja por seus méritos. O olhar de que estamos juntos numa caminhada é sempre descartado. Uma sociedade do capital elege esse modelo facilmente. Empreenda, sua dedicação levará aos seus desejos, são temas que misturam clichês desse mundo capitalista, com projeto de vida de igrejas para prosperidade. Nesse caminho, também não se insere pensar em um Direito que proteja quem trabalha. A proteção você construirá é a promessa vazia.

Nossa estrada tem outra paisagem. Ao contrário de pensar que o indivíduo constrói sua proteção; que seus objetivos são alcançados tão somente pelos seus méritos, vamos olhar as complexidades e as diferenças que compõem nossa sociedade. Vamos observar que essa estrada empreender não significa simplesmente uma atitude de vontade própria; que outros fatores podem amparar resultados positivos. O indivíduo e seus desejos são importantes, mas existe algo maior e semelhante para que tais sejam alcançados. Existe um coletivo a proteger a caminhada. Não existe estrada onde a regra seja a vontade de cada um que por ela percorra; o todo sempre se sujeita a parâmetros comuns e coletivos. Esses vão dar equilíbrio; permitir a boa chegada de todos. O Direito do Trabalho que conhecemos lá atrás muito nos ajudou nisso tudo.

No mundo em que uma pandemia nos assusta, nos traumatiza com perdas inesperadas, descobrir sentido no amanhecer seguinte, no encontrar o colorido, tem nessa expressão a superação dos obstáculos um grande aliado. A pandemia é um grande muro, mas muros são obstáculos que toda hora encontramos. Superá-los pela transformação é o sentido das nossas ações.