Clemente Ganz Lúcio[1]
Melhorar as condições e a qualidade de vida dos trabalhadores é um objetivo a ser perseguido nos próximos quatro anos. Quais os caminhos?
A base de um processo de transformação virtuoso para o mundo do trabalho é o país ter uma dinâmica de desenvolvimento econômico assentada na inovação tecnológica e na agregação de valor em toda as cadeias e estruturas produtivas, combinado com um programa de longo prazo de investimentos em infraestrutura econômica e social. Mobilizar investimentos para que as frentes de expansão e de incremento da produtividade do trabalho gerem produtos e serviços com alto valor agregado, vinculados à uma economia de baixo carbono, com uma indústria e agricultura moderna e compromissada com a sustentabilidade ambiental, onde cultura, esporte, turismo, saúde, educação e bem-estar mobilizam serviços de qualidade.
Nessa economia de crescimento produzido pelo incremento virtuoso da produtividade, expande-se os empregos e as ocupações de qualidade, com boas condições de trabalho, crescimento dos salários e dos rendimentos dos ocupados.
Essa dinâmica econômica transformadora precisa ser estimulada, sustentada e favorecida por um sistema de relações de trabalho, um sistema sindical e um sistema de proteção social, laboral e previdenciário modernos, conectados com as mudanças no mundo do trabalho e capazes de regular a forma de produzir e a distribuição do produto do trabalho.
O desafio é desenhar processos de mudanças e de transições para esses três sistemas com o objetivo de responder às demandas de flexibilidade do trabalho e de proteção efetiva de todos os trabalhadores.
Redesenhar e projetar um sistema universal de proteção social, laboral e previdenciário que garanta a todos os trabalhadores a plena seguridade para as diversas formas de ocupação é uma tarefa essencial. Formular a articulação das políticas e programas a partir da perspectiva do mundo do trabalho é pensar a educação desde a creche até a transição escola – trabalho; é garantir durante a vida laboral a proteção de renda diante da desocupação, do acidente, do problema de saúde, da maternidade; é universalizar o acesso à aposentadoria a partir de uma certa idade, independente da contribuição. Essa concepção de sistema integrado exige articular e redesenhar os atuais programas e políticas de renda e proteção existentes, reorganizando-os e formulando novos instrumentos que garantam seguridade laboral efetiva durante toda a vida.
Essa seguridade universal e permanente é a contraface básica à demanda por flexibilidade do sistema produtivo. Cabe, portanto, a complexa tarefa de construir os mecanismos de financiamento e as regras de acesso à proteção.
A negociação permanente das regras e de monitoramento e gestão do sistema de proteção será tarefa de uma organização sindical nacional, capaz de mobilizar e de representar o interesse geral da classe trabalhadora, especialmente daqueles que hoje não têm proteção sindical e de estabelecer acordos e compromissos para garantir a efetividade das regras pactuadas. As Centrais Sindicais são o instrumento dessa representação ampliada e da representatividade que conforma os interesses em demandas e propostas desse conjunto de aproximadamente metade da força de trabalho ativa do país.
Há a outra metade da classe trabalhadora, assalariada e que conta com a proteção sindical. O sistema de relações de trabalho que define as regras das representações e das negociações precisa colar no mundo do trabalho em mudança. As exigências de transformações na organização sindical para ampliar a base de representação, aprofundar a representatividade das entidades, favorecer a agregação em categorias por ramo, em um sistema sindical que recepciona o trabalhador ao longo de toda a sua vida laboral, independentemente das profissões e formas de ocupação que cada um venha a ter durante a vida.
Esse sistema sindical robusto, amplo e representativo deve inovar com a criação de âmbitos de negociação que estejam articulados e coordenados desde o nacional até a local / empresa, passando pelo setorial e pela cadeia produtiva.
Fortalecer a negociação coletiva significa desenvolver as regras e instrumentos dos processos negociais, subsidiar a formulação dos conteúdos negociados e tratar de resolver diretamente os conflitos. Trata-se de dar às partes interessadas a autonomia efetiva e ampla para a regulação a partir dos marcos constitucionais e legais.
Uma forma de avançar no fortalecimento da negociação coletiva é criar um órgão privado de interesse público para ser o ente que regula e faz a gestão do sistema de relações do trabalho, como por exemplo, uma agência gerida pela representação dos trabalhadores e dos empregadores, que fortaleça a negociação coletiva, o funcionamento do sistema sindical e de solução de conflito.
A representação e a negociação dos servidores públicos devem seguir as mesmas diretrizes acima, com a devida adequação ao direito administrativo conforme projeto de lei já em trâmite no Senado Federal (PL 711/2019). Esse fortalecimento da negociação coletiva no setor publico ganharia novo patamar de efetividade se fosse desenvolvido como parte de um órgão dedicado à política de gestão de pessoas no setor público.
O desafio é implementar um processo de mudança e de transição que favoreça e estimule transformações no sentido das inovações que se busca promover. Trata-se, portanto, de construir na trajetória da história futura, por meio do diálogo social e ao mesmo tempo, o caminho e os caminhantes.
[1] Sociólogo, assessor do Fórum das Centrais Sindicais, consultor, ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).