A tela de Penélope e os seus tecelões: qualificação do vínculo empregatício e remuneração justa no direito atual

A tela de Penélope e os seus tecelões: qualificação do vínculo empregatício e remuneração justa no direito atual

As reflexões de Umberto Romagnoli sobre o direito do trabalho ganham relevância  como um construto “mais doutrinário do que legislativo e mais jurisprudencial do que doutrinário”,  cuja constante evolutiva é representada pela “micro descontinuidade”.

Federico Martelloni


Apresentação realizada no XXX Encuentro de Expertos Latinoamericanos en Relationes Laborales, Bologna, Castilla La-Mancha Y Turin
, realizado no Auditório Profesdor Rubino de Oliveira,  Facultade de Direito, – USP, Largo São Francisco 95, São Paulo, nos dias 16 e 17 de novembro de 2023.


1. Juristas tecelões, ontem e hoje

Também na Itália, como vocês ouviram, há importantes inovações a serem relatadas no campo  da legislação trabalhista. No entanto, aqui eu gostaria de observá-las através das lentes com as quais  Umberto Romagnoli (UR) nos ensinou a olhar para esse ramo do direito.

O início do outono de 2023 confirma a ideia de que o direito do trabalho seja especial: esse  permite detectar, com a sensibilidade de um sismógrafo, os movimentos sísmicos que abalam a  esfera social, os tremores, os assentamentos e, portanto, a estrutura mutável que, de tempos em  tempos, assume as relações de força entre as classes e entre as organizações encarregadas de  representá-las, que se conflitam e negociam para obter um (provisório) acordo entre seus  respectivos e opostos interesses1

A sugestiva representação da disciplina do direito do trabalho como uma «janela para o  mundo» – cara a Luigi Mariucci – é indubitavelmente verdadeira ainda hoje. Desde que se leve em  consideração o esclarecimento de Romagnoli que, como vocês sabem, sempre disse que «a história  deste ramo do direito é mais doutrinária do que legislativa e mais jurisprudencial do que  doutrinária» (Romagnoli 2018, p. 18).

A preguiça demonstrada pelo legislador italiano atual, relutante em tomar qualquer iniciativa  útil no domínio das relações individuais e coletivas de trabalho, especialmente na luta contra o  trabalho precário, é, de fato, compensada pela diligência de outros operadores jurídicos: aqueles que  a perspicácia de Romagnoli batizou, em diversas circunstâncias (Romagnoli 2009, p. 14 ss., 2014,  p. 23; 2018, p. 16) juristas tecelões – «porque o que eles têm em comum é a propensão a tecer  novamente, em vez de cortar, os fios do discurso jurídico» – imputando, em primeiro lugar, à classe  judiciária e depois também aos demais intérpretes e praticantes do direito, a responsabilidade de ter  tecido a trama da disciplina.

«O processo de formação do direito que leva o nome do trabalho – observava UR no seu último  livro – é estruturalmente compromissório. Além disso, a historiografia mais cautelosa reconstrói  esse caminho evolutivo como um contínuo de rupturas e restaurações. O próprio Gerard Lyon-Caen  (1995, p. 7) falou disso como a tela da esposa de Ulisses: este ramo do direito, dizia, “c’est  Penelope devenue juriste”» (Romagnoli 2018, p. 308). As pesquisas realizadas ao longo de meio  século permitiram a Romagnoli destacar que «a micro descontinuidade é a constante evolutiva de  toda a disciplina» (Romagnoli 1995, passim), persuadindo-o de que a internalização desse elemento  pelos intérpretes-tecelões condiciona enormemente os desenvolvimentos do direito atual. Se trata de um aspecto central não apenas por suas claras implicações práticas, ainda mais  relevantes em uma «matéria humilde, que diz respeito, em sua maioria, a atividades pobres, todavia  essenciais para os propósitos de uma condição de vida digna dos cidadãos, que se aproxima das  relações concretas de trabalho e vida» (Mariucci 2005, p. 28); mas também é central se se quiser  compreender a profunda dinâmica do desenvolvimento da disciplina: o direito do trabalho tem, em  suma,

«o hábito de evoluir da mesma forma que nasceu: por meio de sentenças e não por meio de leis. As  sentenças proferidas pelos sujeitos institucionais responsáveis pela resolução de conflitos. As  sentenças, formuladas com valores prescritivos, mesmo quando assumem uma entonação  descritiva, pelos profissionais da interpretação jurídica – a começar pelos membros do star-system acadêmico. Por fim, as sentenças provenientes do universo de profissionais de todos os níveis que,  cada um em sua própria esfera e com o poder à sua disposição, contribuem para moldar o clima  cultural do discurso jurídico» (Romagnoli 2014, p. 22).

Bem, não poderia haver uma introdução mais lúcida às importantes novidades que surgiram no  cenário da legislação trabalhista italiana no espaço de apenas três semanas, compreendidas entre 28  de setembro e 19 de outubro de 2023. Com poucos dias de diferença, sucederam-se, nesse curto  período, pronunciamentos jurisprudenciais extremamente importantes – intercalados por um  documento do Consiglio Nazionale dell’Economia e del Lavoro (CNEL) – Conselho Nacional de  Economia e Trabalho em estreita dialética com um deles – potencialmente prenunciadores de um  impacto considerável tanto no sistema socioeconômico quanto no sistema estritamente jurídico.

2. O contencioso entregador atrapalha os planos das plataformas

Algumas inovações significativas podem ser observadas, mais uma vez, no setor de food delivery sobre o qual acabamos de ouvir de Valeria Nuzzo, quem justamente lembrava que, graças  às disputas individuais e coletivas dos entregadores, o raio de aplicação da proteção da legislação  trabalhista se expandiu significativamente (Razzolini 2020; Nuzzo 2020; Martelloni 2020a; Perulli  2020, 2021, 2022).

Refiro-me a duas decisões muito recentes do Tribunal de Milano, relativas as relações de  trabalho mantidas por entregadores das filiais italianas de duas multinacionais bem conhecidas que  também operam na América do Sul e estavam envolvidas, sempre na América do Sul, na disputa  sobre a qualificação das relações de trabalho dos entregadores.

A primeira, de 28 de setembro de 2023, emitida no âmbito de um processo de repressão à  conduta anti-sindical da Uber Eats Italy s.r.l.; a segunda, interposta em 19 de outubro de 2023, na  sequência de um recurso da Deliveroo Italia s.r.l. de alguns relatórios dos serviços de inspeção.

A novidade, comum aos dois casos judiciais que viram as plataformas perderem, diz respeito ao  grande número de entregadores envolvidos nos processos e ao consequente enorme impacto das  decisões judiciais sobre as escolhas econômico-organizacionais das multinacionais: no primeiro  caso, a Uber foi condenada a restabelecer as relações de trabalho que mantinha com cerca de 4 mil  entregadores e a renunciar, pelo menos temporariamente, à decisão já tomada, de encerrar  definitivamente suas atividades no território italiano; no segundo caso, foi confirmada a  legitimidade dos relatórios dos serviços de inspeção sobre a requalificação de até 19 mil relações de  trabalho com a Deliveroo, em um período de pouco menos de cinco anos (de janeiro de 2016 a 31  de outubro de 2020).

No entanto, a solução fornecida pelos juízes para o habitual dilema sobre a qualificação das  relações de trabalho foi diferente, pois no decreto previsto no Art. 28 do Estatuto dos trabalhadores  a subordinação dos entregadores foi estabelecida, com argumentos que coincidem em grande parte com as reflexões feitas por uma parte da doutrina (Barbieri 2019, spec. p. I.23 s.) e com alguns  precedentes sobre o mérito2(2.1.); na sentença de 19 de outubro, por outro lado, a classificação dos  entregadores no esquema de colaboração no modelo de subordinação jurídica, nos termos do Art. 2,  §1, do DL nº 81/2015, já preferido em uma conhecida decisão da Corte de Cassação3, com base na  distinção feita pela Corte entre fase genética fase executiva da relação (2.2).

2.1. A condenação da Uber por conduta anti-sindical à luz da chamada regra anti-remanejamento. 

Em 28 de setembro, o Tribunal de Milano emitiu uma decisão histórica, embora ignorada pela  grande imprensa, declarando o comportamento da Uber Eats Italy s.r.l. anti-sindical, consistindo na  violação das obrigações de informação e consulta sindical que deveriam ter precedido a decisão de  cessar as atividades de food-delivery na Itália, e condenando a multinacional a restabelecer um  grande número de relações de emprego com os trabalhadores em um momento anterior ao referido  encerramento.

A medida foi emitida, mais uma vez, em um recurso apresentado pelas três categorias da  Confederazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL) – Confederação Geral Italiana do Trabalho  interessadas (também) no setor de entrega de alimentos à domicílio – Nidil, Filcams e Filt Cgil – que, nos últimos três anos, têm causado dificuldades às plataformas, iniciando um rico litígio que,  entre outros, colocou em xeque o Contratto collettivo nazionale di lavoro (CCNL) – Contrato  coletivo nacional do trabalho assinado pela Assolelivery e pela Ugl-rider em setembro de 20204,  com o objetivo de dar às plataformas uma escapatória dos direitos garantidos também (mas não  apenas) aos entregadores pelo “aperto legislativo” do outono de 2019. A lei nº 128/2019, de fato,  além de introduzir um Capítulo V-bis específico no DL nº 81/2015 que visa garantir direitos  mínimos para os entregadores empregados sob um contrato de trabalho genuinamente autônomo e  não contínuo (A nova lei sobre entregadores e colaborações no modelo de subordinação jurídica 2021), procedeu à manutenção do Art. 2, §1 sobre o tema das colaborações no modelo de  subordinação jurídica, com o objetivo de afastar interpretações reducionistas da disposição (Tosi  2015) que haviam penetrado na primeira jurisprudência sobre o mérito5, neutralizando  indevidamente os efeitos de ampliação da proteção do direito do trabalho pretendidos pelo  legislador (Tullini 2018, p. 8; Spinelli 2018; Recchia 2018; Perulli 2020; Razzolini 2020; M.T.  Carinci 2020)6.

Neste caso, as organizações sindicais reclamantes alegaram graves violações das prerrogativas  sindicais, uma vez que a Uber não havia iniciado os procedimentos de informação e consulta  sindical que são obrigatórios, não apenas para toda empresa que faz uma demissão coletiva (como  previsto nos Art.s 4 e 24 da lei nº 223/1991) mas também para aquelas empresas com mais de 50  funcionários que fecham suas portas, talvez para transferir seus negócios para outro lugar (por  conduta anti-sindical em relação as normas de anti-remanejamento previstas pela Finanziaria para o  ano de 2022).

Mais uma vez – como fica evidente nos documentos judiciais – a empresa multinacional se  considerou livre de quaisquer restrições legais devido à suposta natureza autônoma das relações de  trabalho dos entregadores. Tal qualificação, no entanto, não convenceu o juiz milanês, para quem os  entregadores pertencentes à frota da Uber «não podiam organizar os tempos e modos do próprio  serviço de forma autônoma, mas estavam sujeitos a diretrizes provenientes do aplicativo, que  condicionavam a atuação a ponto de aniquilar completamente a autonomia do trabalhador, e  configurar concretamente os modos de execução no interesse exclusivo da mesma empresa que  detinha o controle total do aplicativo». A não transparência do algoritmo, em suma, repetidamente  denunciada no litígio que se desenvolveu no setor7, não enganou o Tribunal, que desconsiderou a  qualificação atribuída pela plataforma às relações de trabalho, para fazê-la corresponder ao seu  modo real de desempenho. Tratando-se de «trabalhadores subordinados» – apostila o juiz milanês – a empresa tinha a obrigação, antes de proceder com os desligamentos, «de acionar junto às  organizações sindicais recorrentes os procedimentos de consulta previstos no caso de  remanejamentos de acordo com o Art. 1, §233 e seguintes da Lei 234/2021, bem como de ativar os  procedimentos de informativa e consulta previstos nos Art.s 4 e 24 da Lei de 23 julho de 1991 nº  223 em matéria de desligamentos coletivos».

O Art. 28 do Estatuto dos trabalhadores sobre a repressão da conduta anti-sindical dos  empregadores, continua, em suma, a exibir uma vitalidade juvenil (Recchia 2020): por um lado,  permite ao sujeito coletivo ajuizar ações judiciais mesmo quando as posições individuais são mais  expostas, frágeis e chantageáveis; por outro lado, a celeridade do julgamento sobre a natureza antisindical da conduta também é acompanhada pela restauração completa do status quo ante (Romagnoli 1972) quando os efeitos são removidos, o que pode forçar até mesmo as empresas mais  inescrupulosas a recuar.

Além disso, o setor de food-delivery se confirma como um campo de testes para importantes  inovações regulatórias: a chamada regra anti-remanejamento demonstra, de fato, alguma eficácia  como uma «alavanca regulatória destinada a socializar as escolhas empresariais que, embora sem  dúvida, representem uma manifestação da liberdade da iniciativa econômica privada (Art. 41, §1. da  Constituição), ao mesmo tempo, têm um grande impacto sobre o emprego e o trabalho (Art.s 4 e 35  da Constituição) bem como, de modo mais geral, na capacidade produtiva do país ou de uma sua  área (Art. 41, §2, da Constituição» (Nuzzo 2022, p. 539).

Além disso, se, no resultado do processo de oposição, a subordinação fosse excluída e o  colegiado optasse pela classificação da relação como colaboração de subordinação jurídica, as  consequências não seriam diferentes: mesmo nesse caso – o Tribunal recorda com razão – a total  equivalência com o emprego assalariado em termos de direitos e proteções levaria às mesmas  conclusões alcançadas pelo juiz no processo cautelar, com o respectivo dever de honrar as  obrigações de informação e consulta sindical previstas em lei.

2.2. A distinção entre a fase genética e a fase executiva da relação colaborativa na subordinação  jurídica: uma construção jurisprudencial repleta de consequências. 

A qualificação dos entregadores como colaboradores no modelo de subordinação jurídica, já avorecida na decisão da Suprema Corte que felizmente encerrou a saga dos entregadores de Torino da Foodora, também foi favorecida na recente decisão emitida pelo Tribunal de Milano, no contexto  de uma disputa iniciada após um relatório de investigação de 23 de fevereiro de 2021, sobre vários  milhares de relações de colaboração com a plataforma Deliveroo. De acordo com os termos de inspeção, essa plataforma teria «gerenciado e dirigido o serviço dos entregadores» os quais teriam  sido «incluídos em uma organização empresarial de meios tangíveis e intangíveis atribuíveis à  empresa proprietária da plataforma».

No pronunciamento de 19 de outubro de 2023, o juiz milanês relembra a reconstrução da figura  recém-cunhada proposta pela Suprema Corte8, insistindo longamente na distinção entre a fase  genética e a fase funcional da relação de colaboração, no modelo de subordinação jurídica, em que  o regime de autonomia seria significativamente reduzido «integro na fase genética do contrato (pelo  direito notório do trabalhador de se obrigar ou não a realizar o serviço), mas não na fase funcional,  de execução da relação». Adaptando tal reconstrução ao caso dos entregadores da Deliveroo, até  mesmo para o Tribunal de Milano, a fase genética da relação pode ser considerada «ainda  caracterizada pela autonomia» – apesar da existência de vários elementos capazes de influenciar a  escolha dos colaboradores (turnos vinculados a locais específicos; restrição para atuar no âmbito  dos mesmos; prioridades de seleção determinadas pela classificação da empresa com base em  critérios de disponibilidade e confiabilidade) – enquanto sua ausência total emerge  «significativamente na fase funcional da relação jurídica», visto que «toda a execução do serviço,  uma vez que o pedido tenha sido aceito, por meio do sistema de geolocalização, é controlada e  regulada, passo a passo, em suas etapas individuais, pela plataforma, que obriga o colaborador a  certificar não apenas a aceitação do pedido, mas também sua chegada ao restaurante, a aquisição do  alimento a ser entregue e sua entrega ao cliente, com botões especiais a serem clicados».

A distinção entre a fase genética e a fase executiva da relação, cuja matriz é eminentemente  jurisprudencial, revela-se absolutamente fundamental na economia do processo, bem como prenhe  de consequências em três diferentes aspectos.

  1. a) Em primeiro lugar, no plano da qualificação, essa enquadra as relações dos entregadores no  esquema de colaborações de subordinação jurídica nos termos do Art. 2, §. 1, do DL nº 81/2015,  uma vez que o entregador tenha optado livremente por aceitar o pedido, «está totalmente sujeito, em  todas as fases, à organização da plataforma na qual está inserido, com procedimentos de  implementação regulados unilateralmente por ela e com sua própria autonomia residual muito  limitada» (aquela de «escolher a rota a ser seguida» e «eventualmente recusar algumas entregas»). b) Em segundo lugar, a mesma distinção serve para verificar o requisito de continuidade – comum às colaborações de subordinação jurídica nos termos do Art. 2, §1, do DL nº 81/2015 e ao  trabalho parasubordinado nos termos do Art. 409 nº 3, do Código de Processo Civil – que assume,  aqui, um caráter bastante peculiar, uma vez que a forma de integração do trabalho na estrutura  organizativa do comitente sinaliza um interesse organizativo articulado no tempo, que se traduz em  um interesse de serviço contínuo, ainda que intermitente (Donini 2019, p. 125; Forlivesi 2022, p.  213 s.): de acordo com a reconstrução do Tribunal de Milano, «a característica do trabalho de  subordinação jurídica, na sua fattispecie típica, é precisamente a ampla autonomia na fase genética,  de modo que, ao interpretar o requisito de continuidade», é necessário limitar-se a verificar que seja  «contemplada a negociação da [mera] possibilidade de uma repetição do serviço» deixada a critério  do colaborador. Em outras palavras, se o trabalhador subordinado se compromete a prestar o seu  serviço de forma contínua, a tal ponto que a não execução do trabalho constitua, indubitavelmente, uma violação do contrato para o colaborador em subordinação jurídica (como acontece em regime  coordenado e contínuo nos termos do Art. 409, nº 3 do Código de Processo Civil) não se aplica uma obrigação semelhante, mantendo o trabalhador o direito de decidir se e quando realizar o seu  trabalho9.
  2. c) Por último, é sempre a distinção entre a fase genética e funcional da relação que assume  «absoluta importância» relativamente à «avaliação de compatibilidade» da regulação do trabalho  subordinado com o tratamento do trabalhador em subordinação jurídica e, no caso tratado pelo  Tribunal, com a regra do trabalho a tempo parcial referida no Art. 10, §1, do DL nº 81/2015,  conforme o qual «se não for demonstrado contrato a tempo parcial, a relação entre as partes deve  ser considerada a tempo integral» (p. 39). De fato, sem prejuízo da autonomia do colaborador na  fase genética da relação, consistente no indefectível direito de escolher se prestar ou não o seu  serviço e por quanto tempo, esta característica induz a considerar, «estruturalmente incompatível o  Art. 10 citado com o instituto mencionado no Art. 2 citado, visto que, mesmo após a avaliação em  questão, para a continuidade da relação de trabalho, o colaborador, uma vez corretamente  enquadrado, deverá ainda manter a possibilidade de escolher livremente, com ampla autonomia, se  trabalhar ou não e em quais turnos».

Para muito além das implicações concretas no caso específico – que têm pouco interesse num  contexto internacional como o de hoje – não é insignificante a consequência do raciocínio a nível  sistemático.

Com base na prospecção que se acaba de resumir, o colaborador em subordinação jurídica  aparece, de fato, no contexto normativo italiano atual, como uma figura mais livre que o trabalhador  dependente, mas não menos protegida. Mais livre porque carece, na relativa relação, não apenas a  obrigação de trabalhar, mas também o vínculo de obediência nos termos do Art. 2104, §2 do  Código Civil, típico somente da subordinação (Lassandari 2020; Martelloni 2020b). Não menos  protegida, porque a colaboração de subordinação jurídica é destinatária do mesmo sistema de  proteção historicamente reconhecido aos subordinados, incluindo a proteção contributiva e  previdenciária aplicável «em virtude do paralelismo entre a relação de trabalho e a previdenciária»  (T. Milano, 19 de outubro 2023 citado letra. G da fundamentação).

Definitivamente, se a ideia de um contrato de trabalho subordinado tem por trás «a história de  uma esperança frustrada, de uma aspiração não realizada» (Veneziani 2006, pp. 147, 162, 166 s.) e,  em última análise, de «um sonho proibido», pois após a emancipação das restrições de status e a  transição para o contrato (Maine 1861) «a liberdade permaneceu uma ilusão de sentido»  (Romagnoli 2009, p. 32), no atual sistema jurídico italiano, enriquecido pela presença da figura das  colaborações de subordinação jurídica, aproxima-se finalmente do horizonte traçado pelos pais  fundadores na Carta Fundamental de 1948: esses, apesar de terem «boas razões para recusar o  trabalho no singular», escolheram, de fato, comprometer a República a «proteger o trabalho em  todas as suas formas e aplicações» (Art. 35), e portanto «a intervir em situações subjetivas de  inferioridade e desvantagem, fragilidade e desigualdade, como e onde quer que se manifestem». Por  isso – concluí UR, retomando os Art.s 3 e 35 da Constituição (2009, p. 127) – «não só o legislador,  mas também a classe dos operadores jurídicos, é obrigada a alargar o espectro de obstáculos a  remover para alcançar o princípio da igualdade substancial, de modo a incluir também aqueles  pertinentes ao trabalho que constitui um “fator normal nos negócios de outros, independentemente  do regime contratual com base no qual se consegue a sua integração no ciclo produtivo” (D’Antona  1998, p. 235 s.)».

3. Remuneração justa nos termos do Art. 36 da Constituição ontem, hoje e amanhã.

Se o contencioso no setor de food delivery favoreceu uma plena redescoberta do Art. 35 da  Constituição (Perulli, Treu 2022; Martelloni 2020a), por muito tempo «negligenciado come una TV  pirata» (Romagnoli 2005, p. 521), testemunha a «vitalidade das fontes constitucionais» (Scarponi  2023, infra) uma recente tendência na jurisprudência relacionada ao tema da justa remuneração de  acordo com o Art. 36, da Constituição.

A fórmula felizmente resumida no primeiro parágrafo do Art. 36 da Constituição, diz que todo  trabalhador tem o direito «a uma remuneração compatível com a quantidade e a qualidade de seu  trabalho e, em qualquer caso, suficiente para assegurar a si e a sua família uma existência livre e  digna», reconhecendo assim, em nível individual, um direito subjetivo perfeito, imediatamente  acionável perante as autoridades judiciais. No entanto, também deve ser lida à luz do Art. 39 da  Constituição lá onde o órgão Constituinte, tratando dos sindicatos e da negociação coletiva,  reconheceu plenamente o papel da autoridade salarial máxima para os sindicatos registados livres e  democráticos (§2), permitindo-lhes assinar – «representados unificadamente na proporção dos seus  membros» – acordos coletivos com efeito geral (§4) e, como tais, aplicáveis a todos os  trabalhadores da categoria.

Este certamente não é o lugar para explorar os motivos da não implementação do Art. 39 II  parte (D’Antona 1998; Caruso 2009; Gaeta 2017). Em vez disso, é útil lembrar aqui que a inércia  legislativa foi, pelo menos em parte, compensada por uma jurisprudência tão diligente quanto  criativa (Menegatti 2017), que, desempenhando um valioso papel suplementar, de fato iniciou um  processo de constitucionalização do salário mínimo convencional (Bavaro 2014): uma espécie de  «via italiana para o salário mínimo legal» (Magnani 2010, p. 777).

3.1. A constitucionalização do salário mínimo convencional na prática jurisprudencial. 

Conforme verificado pela Inchiesta parlamentare sulla disoccupazione in Italia [Inquérito  Parlamentar sobre o Desemprego na Itália], lançado no final da primeira legislatura (1952), após a  Segunda Guerra Mundial, o pagamento de salários inferiores era uma prática recorrente em toda a  Itália, assim como era frequente, não apenas no sul da Itália, que os empregadores não estivessem  afiliados a alguma representação e a consequente – e legalmente legítima – não aplicação do  chamado acordo coletivo de direito comum. Essa prática, disseminada tanto nas fábricas quanto no campo, foi combatida pela linha mais  consolidada de jurisprudência sobre trabalho e remuneração, inaugurada no início da década10:  segundo os juízes, em virtude da existência de uma norma imediatamente prescritiva, como o Art. 36 da Constituição (Treu 1979; Zoppoli 1991; Tripodina 2008), considerada diretamente aplicável  também nas relações entre particulares, os empregadores não vinculados a qualquer acordo coletivo  teriam, de todo modo, que aplicar as taxas mínimas estabelecidas pelo CCNL para o setor de  produtos em que operavam, entendidos como um “parâmetro externo” para a determinação, na  prática, da remuneração proporcional e suficiente (Zoppoli 1994). O Art. 36, de fato – de acordo  com uma fórmula sumária eficaz frequentemente lembrada pelos juízes – garante dois direitos  distintos, que, no entanto, «na determinação concreta da remuneração, se complementam»: o direito  a uma remuneração proporcional garante aos trabalhadores «uma proporcionalidade razoável entre  sua remuneração e a quantidade e qualidade do trabalho prestado»; enquanto o direito a uma  remuneração suficiente lhes dá o direito a «uma remuneração que não seja inferior aos padrões  mínimos necessários para viver uma vida em escala humana», «em um determinado momento  histórico e nas concretas condições de vida existentes»11. Tais critérios, – um «positivo de natureza  geral», outro «negativo intransponível» – teriam levado a jurisprudência a vincular os  empregadores, até mesmo aqueles que não estivessem dispostos a aplicar um acordo coletivo, a  cumprir suas taxas mínimas de remuneração, generalizando de fato (embora não de direito) a  aplicação (não do acordo coletivo como um todo, mas) de tabelas salariais. Em essência, para os  “juristas tecelões” que habitavam as salas de audiências da República nascente, o chamado mínimo constitucional poderia ser considerado justo na medida em que fosse estabelecido em acordos  coletivos e, portanto, justo quando fosse o sindicato a estabelecê-lo. É verdade que o juiz, não  apenas teoricamente, poderia ter se afastado desse parâmetro em virtude do poder de determinar a  remuneração em equidade de acordo com o Art. 2099, §2, do Código Civil, mas é igualmente  verdade que qualquer desvio teria implicado em um laborioso fardo de fundamentação, enquanto a  referência à remuneração convencional parecia, como tal, constitucionalmente compatível.  Portanto, era natural que na prática esse fosse o caso por várias décadas (Marazza 1998)12.

A unidade de ação entre as três principais centrais sindicais, Cgil, Cisl e Uil, e a consequente  assinatura conjunta dos acordos coletivos setoriais teriam constituído, de fato, um bom substituto  funcional para a implementação do Art. 39, segunda parte da Constituição, dado que, embora não  tivessem personalidade jurídica de direito público, os três sindicatos históricos assinaram,  conjuntamente, quase todos os contratos setoriais, tornando objetivamente fácil, em quase todas as  áreas, identificar o salário mínimo convencional a ser aplicado à relação de emprego específica  vinda a conhecimento do juiz de plantão.

Seria desonesto da parte dos defensores da introdução de um salário mínimo legal hoje – como  é o meu caso – calar ou subestimar os efeitos da referida prática jurisprudencial com relação à taxa  de filiação sindical (especialmente do lado do empregador) e à taxa de cobertura da negociação  coletiva na Itália pós-Segunda Guerra. Essencialmente, a consciência de ser em qualquer caso  obrigado a remunerar o trabalho de acordo com o que estava estipulado nas escalas salariais do CCNL levou a grande maioria dos empregadores a se filiar a suas próprias representações,  aplicando o contrato que essas mesmas associações subscreviam como um todo. O acordo coletivo,  de fato, é um fardo para o “patrão” porque impõe um preço de trabalho abaixo do qual não se pode  descer, mas também representa uma vantagem na medida em que regula uniformemente as  condições de trabalho, reduzindo os custos de transação e permitindo que a força de trabalho seja  “governada” na fábrica com a colaboração fecunda da contraparte sindical, sem contradizer o  conflito de interesses irredutível que existe entre as partes.13

Em suma, na segunda metade do século XX, enquanto a unidade de ação entre os sindicatos  históricos se manteve, exceto em algumas circunstâncias difíceis, o sistema sindical de fato – conforme definido por Gino Giugni, um defensor do abstencionismo legislativo com base na  conhecida teoria do sistema intersindical como um sistema original (Giugni 1960, p. 12 e seguintes)  – funcionou substancialmente, embora apresentando algumas rachaduras que foram habilmente  recompostas.

3.2. As limitações que surgiram no atual sistema sindical de fato

No entanto, não foi o mesmo no novo século, quando as divisões entre os três maiores  sindicatos e o surgimento de novas representações, às vezes genuínas, às vezes nem tanto, levaram a uma multiplicação de fontes de negociações coletivas relevantes a ponto de sugerirem aos próprios  sindicatos confederados de reconsiderarem suas posições.

Em um regime de anomia duradoura, multiplicaram-se também as áreas contratuais com limites  incertos, de modo que, mesmo com a corresponsabilidade dos sindicatos históricos, o dumping salarial é hoje possível mesmo colocando em concorrência diferentes contratos confederados  assinados conjuntamente pelos sindicatos comparativamente mais representativos, aplicáveis  abstratamente, tanto no setor privado quanto nas cadeias de contratos e subcontratos para a  execução de trabalhos e prestação de serviços em benefício das Administrações Públicas14. Se  acrescentarmos a isso os atrasos dramáticos nas renovações contratuais, cujo efeito hoje é agravado  por uma nova espiral inflacionária, fica evidente como esteja se impondo um real problema salarial  na Itália (Treu 2019).

Um levantamento dos problemas, já antecipado pela doutrina mais experiente (Pascucci 2019),  foi fornecido recentemente também pela Suprema Corte de Cassação, que, em sua já conhecida  decisão de 2 de outubro de 2023 nº 27711, não deixou de resumir as principais limitações do atual  sistema sindical italiano que repercutem na questão salarial, listando-as em boa ordem:

«a) a fragmentação da representação e a presença no cenário de negociação de associações  coletivas (sindicatos e associações de empregadores) de representatividade questionável (signatários  de contratos chamados pelo nome sugestivo de “contratos piratas”);

  1. b) o rompimento de perímetros e áreas de negociação, setores e categorias;
  2. c) a consequente proliferação do número de CCNLs. – O CNEL realizou um levantamento no  qual encontrou 946 deles para o setor privado, dos quais apenas um quinto teria sido concluído  pelos sindicatos mais representativos que abrangem a maioria dos funcionários;
  3. d) a multiplicação do fenômeno da desigualdade salarial para trabalho igual e a redução dos  salários, especialmente nos níveis mais baixos;
  4. e) o atraso habitual na renovação de acordos coletivos, cuja duração impede um ajuste efetivo  dos salários às mudanças econômicas (o último relatório do CNEL denuncia como vencidos 563  contratos do setor privado, ou seja, o equivalente a 60%)15;
  5. f) dinâmica inflacionária severa nos últimos dois anos, resultando em uma perda do poder de  compra dos salários» (ponto 35).

Também esses fatores – reconhece a Corte de Cassação – contribuíram para o fenômeno,  certamente não apenas italiano, do “trabalho precário”, várias iniciativas amadureceram nos últimos  tempos para combatê-lo.

No contexto europeu – como se sabe – foi aprovada a Diretiva UE 2022/2041, de 19 de outubro  de 2022, sobre salários mínimos adequados na União Europeia (Ratti 2020). Em nível nacional, após um longo período de inércia, uma série de propostas foi apresentada  para introduzir um salário mínimo fixado por lei16 também na Itália, uma das quais apresentada  conjuntamente pela oposição17.

3.3. O salário mínimo (legal) no olho do furacão: o ativismo da Corte de Cassação….  

Na véspera do prazo para que o sistema jurídico italiano cumpra a Diretiva EU 2022/2041 de  19 de outubro de 2022, houve – com apenas dez dias de diferença – a apresentação de três decisões  extremamente significativas da Corte de Cassação18 e a circulação de um documento contendo os  resultados da investigação preliminar que o Presidente do Conselho havia solicitado ao CNEL19, em  resposta à apresentação dos projetos de lei mencionados acima.

Embora os juízes da Suprema Corte pareçam estar defendendo uma intervenção legal em favor  dos salários, o CNEL, presidido por Renato Brunetta, a desencoraja de forma contundente,  demonstrando confiança apenas no sistema contratual-coletivo.

Mais detalhadamente, a Corte de Cassação, nos fundamentos de sua decisão, considerou  ilegítima, com base no contraste com o Art. 36 da Constituição, a remuneração de um vigilante ao  qual foi aplicado o ccnl Vigilanza e Servizi Fiduciari, correspondente ao setor a que a empresa  pertence – mas ao qual dois outros acordos de negociação coletiva mais favoráveis haviam sido  aplicados anteriormente (primeiro o Multiservizi e depois o ccnl Custodia dei fabbricati) –, por um  lado, enfatizou o valor de elevar o princípio da igualdade de remuneração “aos picos alpinos do  direito constitucional”; por outro lado, insistiu longamente no tema do trabalho precário (Il lavoro  povero in Italia: problemi e prospettive 2022) e sobre a perda do poder de compra dos salários  (Tronti 2022), denunciando também as muitas limitações que o sistema sindical de fato tem hoje.  Nem mesmo a atividade de negociação dos sindicatos mais representativos está isenta dessas  limitações quando «falhando em sua função histórica, a própria negociação coletiva submete a  determinação dos salários ao mecanismo da concorrência, em vez “de formas opostas de  concorrência salarial descendente”» (ponto 38).

A novidade, que não é insignificante (Ichino 2023; Bronzini 2023), reside no fato de que a  Corte afirma a legitimidade – e, na verdade, a necessidade – do escrutínio judicial da «adequação e  suficiência» das tarifas estabelecidas pelo acordo coletivo, mesmo se assinado pelos sindicatos mais  representativos, historicamente considerados como uma autoridade salarial quase inquestionável.  Dito isso, o processo argumentativo se encaixa perfeitamente no paradigma da micro  descontinuidade, pois, por um lado, a Corte de Cassação segue sua orientação tradicional sobre o  tema da remuneração justa (v. supra, §3.), aliás amparados em diversos pronunciamentos do Juiz de Direito, todas recordadas na decisão20; por outro lado, inova-o, motivando a sua necessidade com as  questões críticas e limitações que surgiram no contexto atual.

O ativismo dos juristas tecelões entra assim no acalorado debate público sobre a eventual  introdução de um salário mínimo legal, com uma decisão que não deixa de apontar, juntamente com  as urgências, as devidas precauções a serem levadas em conta. Para que se possa avançar dentro da  estrutura desenhada pelos Art.s 36 e 39 da Constituição, é bom saber que tanto uma “delegação em  branco” para os parceiros sociais quanto a sua destituição de poder acabariam por minar a estrutura  constitucional. De fato, a advertência que os juízes de legitimidade dirigem a seus colegas nos  tribunais de mérito também é válida para o legislador, recomendando-lhes que «abordem a  negociação coletiva com “grande prudência e respeito”, tendo em vista a aptidão natural dos  agentes coletivos para gerenciar questões salariais, um princípio garantido pela Constituição e  também pela Convenção Europeia de Direitos Humanos» (ponto 37).

Reverberam na decisão as opiniões concomitantes da doutrina que tratou do salário mínimo em  tempos relativamente recentes (Menegatti 2017; Pascucci 2018; Delfino 2019), manifestando-se a  favor da compatibilidade constitucional de uma intervenção legislativa sobre a matéria, desde que  demonstre respeito ao papel do sindicato. De fato, se o legislador desejasse intervir em apoio à  negociação coletiva dos sindicatos mais representativos, para pôr fim ao dumping salarial causado  pela existência de contratos assinados por entidades que são pouco ou nada representativas, isso  certamente seria possível21, apesar da contínua não implementação do Art. 39 II parte da  Constituição (quando muito, tomando emprestadas técnicas regulatórias que já passaram pelo  escrutínio do juiz de direito22). Se, por outro lado, se desejasse intervir em apoio aos salários  devidos aos trabalhadores em setores expostos à concorrência descendente, também por contratos  celebrados pelos sindicatos históricos, não seria descabido identificar um minimum horário por lei  abaixo do qual ninguém pode descer: nesse caso, seria acionada uma presunção iuris tamtum de  remuneração “suficiente” nos termos do Art. 36, §1, da Constituição (Bellomo 2002, p. pp. 39 ss. e  160 s.), o que não prejudicaria o papel primordial da negociação coletiva na modulação da  remuneração com base no cânone da proporcionalidade (Delfino 2019, p. 45), nem impediria que o  juiz, se necessário, se afastasse do mínimo legal com um raciocínio ponderado e perspicaz, em  virtude da natureza hierarquicamente superordenada do dispositivo constitucional.

Situando a própria decisão nesse horizonte de significado, «diante da realidade de fato que  passou a ser determinada nos últimos tempos em nosso país, e dentro da qual se coloca hoje a  questão da sindicalização do CCNL assinada pelos sindicatos mais representativos» (ponto 34), os  juízes da Corte de Cassação não apenas evocam uma intervenção legal em apoio aos salários,  delineando seus possíveis contornos23 (ponto 49), mas também enfatizam, pelo menos  implicitamente, a oportunidade, sem nunca negar o papel de «autoridade salarial máxima» para os  sindicatos (ponto 43)24.

3.4. …e as resistências do CNEL.

Na frente oposta, a maioria dos membros do CNEL, representantes das categorias econômicas e  produtivas, considera correto atribuir «somente aos parceiros sociais» (p. 12) a função de  determinar os itens que compõem os mínimos contratuais («desaconselha veementemente a  aplicação externa de um critério inequívoco e universal, que poderia distorcer as dinâmicas  contratuais») e «também recomenda garantir o bom funcionamento da negociação coletiva25– cuja  taxa de cobertura «se aproxima de 100%» (p. 14) – não por meio de intervenções legislativas, mas  pelo aprimoramento de acordos interconfederais que, ao mesmo tempo em que respeitam a  liberdade contratual, permitem a determinação de salários justos em nível setorial e industrial» (p.  32)

Para o órgão constitucional que sobreviveu ao referendo de 4 de dezembro de 2016, em  resumo, tout va bien, ou quase. Na verdade, o CNEL, embora reconheça vários problemas críticos  causados pelo fenômeno da chamada negociação pirata (p. 22 ss. e p. 38 s.) – de qualquer forma,  «marginal na grande maioria dos setores de produção, por mais perturbador que seja o sistema de  relações industriais» (p. 24) – bem como a existência de tipologias de contratos não padronizados  (p. 35), níveis, setores e áreas geográficas onde o problema do trabalho precário realmente existe  (p. 21 s., 36 s.), considera, no entanto, que «deve ser valorizada a via tradicional da negociação  coletiva, ou seja, a contribuição das forças sociais que representam e assumem a responsabilidade  pelos interesses da oferta e da demanda de mão de obra» (p. 30). Ao mesmo tempo, expressando  alguma preocupação implícita com a orientação mais recente da Suprema Corte e com as iniciativas  parlamentares mencionadas, o CNEL «recomenda» que as intervenções no campo dos salários  mínimos sejam projetadas «de modo a evitar tanto uma deriva judicial do salário adequado quanto  uma deriva política da matéria», acreditando, em vez disso, que «as conjunturas problemáticas que  impedem o desenvolvimento virtuoso da negociação coletiva de qualidade devem ser abordadas»  (p. 30).

Por fim, na opinião dos “sábios”, «percebe-se claramente, com base nos dados e nas  informações disponíveis no momento, que a mera introdução de um salário mínimo legal não  resolveria a questão principal da mão de obra precária, nem a prática do dumping contratual, nem  daria mais força à negociação coletiva» (p. 31).

4. Conclusões

O esboço de afresco traçado até aqui parece confirmar o que foi apontado na introdução, ou  seja, que «o direito do trabalho tem o hábito de evoluir da mesma forma que nasceu: por meio de  sentenças e não por meio de leis» (Romagnoli 2014, p. 22). É difícil negar que no topo do ranking  estão as sentenças proferidas por aqueles cuja tarefa é resolver litígios: a diligência dos juízes se  deve, de fato, à tradução concreta de importantes princípios constitucionais (Art. 36, §1 da  Constituição) e a substituição da inércia histórica (embora justificada) por parte do legislador (Art.  39 da Constituição)

Há, no entanto, mesmo no direito atual, aventuras exegéticas muito significativas (basta pensar  no Art. 2, do DL. nº 81/2015, sobre as colaborações em subordinação jurídica), capazes de adaptar o  sistema às necessidades e urgências indicadas por estudos e reflexões que envolveram a doutrina do  direito do trabalho por mais de trinta anos. Nem mesmo as opiniões do vituperado star-system

acadêmico são, portanto, tão periféricas, se é verdade que se testemunha, em vários casos, o uso  mais ou menos dissimulado dos argumentos da doutrina, ora para favorecer a inovação legislativa,  ora para retardá-la, ora para neutralizar seus efeitos mais deletérios (como aconteceu recentemente  com as múltiplas intervenções da jurisprudência constitucional e ordinária na área de remédios para  demissão ilegítima). Para o bem e para o mal.

Sem dúvida, os juízes provenientes do universo de operadores de todas as ordens e graus  «contribuem para moldar o clima cultural do discurso jurídico» (Guastini 235 e ss.), o que  novamente influencia, em um sentido circular, não apenas a interpretação, mas também a produção  normativa.

Por último, mas não menos importante, o dinamismo da jurisprudência pode minar a segurança  jurídica ao assustar os agentes econômicos e, dessa forma, provocar intervenções legislativas  motivadas pela necessidade de coibir a suposta arbitrariedade judicial.

Paradoxalmente, poderia ser essa mesma necessidade a pesar no debate italiano atual sobre o  salário mínimo, induzindo o legislador a estabelecer por lei um limite abaixo do qual nenhuma  remuneração pode descer e, em seguida, confiando à negociação coletiva dos sindicatos mais  representativos a tarefa «se não absolutamente exclusiva, pelo menos normal e preeminente»  (Mortati 1954, p. 174) de determinar as condições salariais nos vários setores, com base no cânone  da proporcionalidade.

Notas

« O direito trabalhista, mais do que outros ramos do direito, está condenado à concretude. Estando exposto na  fronteira mais avançada das relações entre economia, sociedade e direito, nunca atinge uma condição de estabilidade e  equilíbrio. É aí que reside a fragilidade do material, mas também seu fascínio», Mariucci, 2005, p. 7.

T. Palermo, 24 de novembro de 2020, nº 3570 in LLI, Vol. 2, nº 6, nt. di Barbieri; T. Torino, 18 de novembro de  2021, in Labor, p. 213 ss., nt. Di De Marco; T. Milano, 20 de abril de 2022 nº 1018, in LDE, nt di Bellavista.

Cass. 24 de janeiro de 2020, nº 1663, in RIDL, 2020, II, 76 ss., nt M.T. Carinci; DRI, 2020, 1, 145 ss., nt.  Santoro Passarelli; in DRI, 2020, 2, 499 ss., nt. Proia; in LDE, nº 1/2020, nt di M. Biasi, F. Carinci, E. Dagnino, G.  Fava, S. Gheno, M. Magnani, F. Martelloni, E. Martino, M. Persiani, A, Perulli, G. Santoro Passarelli, V. Speziale, P.  Tosi, A. Tursi.

T. Milano 28 de março de 2021; T. Bologna, 30 de junho de 2021; T. Firenze 23 de novembro de 2021 (que  reforma T. Firenze decr. 9 de fevereiro de 2021), in LLI, V. 7, nº 2/2021, nt Donini.

T. Torino 5 de julho de 2018, in RGL, 2018, II, 371 ss., nt Spinelli.

Para a Cassação «a intenção protetora do legislador parece ser confirmada» pela emenda de 2019, «que  certamente vai no sentido de facilitar a aplicação da regulamentação do trabalho subordinado, estabelecendo a  suficiência – para a aplicabilidade da norma – de serviços “prevalentemente” e não mais “exclusivamente” pessoais,  mencionando explicitamente o trabalho realizado por meio de plataformas digitais e, no que diz respeito ao elemento de  “subordinação jurídica”, eliminando as palavras “também com referência ao tempo e local de trabalho”, mostrando  assim claramente que incentiva interpretações não restritivas dessa noção» (ponto 27).

V. Ord. Bologna 31 dicembre 2020, in LLI, Vol. 7, Nº. 1/2021 e T. Palermo 12 aprile 2021. A discriminação  sindical com base algorítmica é dedicada à seção Idee da Língua Legislativa Italiana, Vol. 7, Nº. 1/2021, com  contribuições de Barbera, Borelli e Ranieri, Peruzzi, Pinotti.

Para a Cassação, «Uma vez que a subordinação jurídica tenha sido reconduzida a um elemento de uma relação de  colaboração funcional com a organização do comitente, de modo que os serviços do trabalhador possam, de acordo com  a modulação unilateralmente disposta pela primeira, adequadamente se encaixar e se integrar à sua organização  empresarial, destaca-se (na hipótese do Art. 2, do DL nº 81 de 2015) a diferença em relação a uma coordenação  estabelecida de comum acordo entre as partes que, ao contrário, na lei em questão, é imposta de fora, precisamente em  subordinação jurídica. Essas diferenças ilustram um regime de autonomia bastante diferente, significativamente  reduzido no caso do Art. 2, do DL nº 81 de 2015: intacta na fase genética do acordo (devido a faculdade do trabalhador de se obrigar ou não ao serviço), mas não na fase funcional da execução da relação, no que diz respeito às modalidades  de serviço, que são substancialmente determinadas por uma plataforma multimídia».

Mas v., em termos mais analíticos e problemáticos, Forlivesi 2022.

10 Cass., 12 de maio de 1951, nº 1184 em Massimario di giurisprudenza del lavoro, 1951, pp. 157 ss. (confermativa  di Appello L’Aquila 28 de novembro 1951, in Diritto del lavoro, 1951, II, pp. 447 ss., nt. di Scorza.

11 Cass., nº 24449/2016.

12 Sobre o uso de salários mínimos fixados por acordos coletivos como um parâmetro externo para a determinação  da remuneração equitativa nos termos do Art. 36 da Constituição. v., no final do século passado, Cassação 3 de abril de  1999, nº 3235, nt. Bano.

13 «A política de relações industriais de uma grande empresa capitalista» – escreve o autor de forma significativa na  parte da pesquisa pioneira em que expõe os gli Aspetti tecnici e politici della contrattazione aziendale [Aspectos  técnicos e políticos da negociação empresarial] (pp. 5-13) – deve-se, fundamentalmente, propor uma tríplice ordem de  objetivos: «a) negociação coletiva, inclusive em nível de empresa, assentando-a em bases genuinamente sindicais; b)  fortalecimento real da posição e dos direitos dos trabalhadores, institucionalizando os instrumentos que podem conferir  um maior grau de eficácia à presença do sindicato no delicado momento de aplicação dos acordos firmados; c)  construção sistemática de uma “jurisprudência industrial” capaz de garantir a legalidade da empresa na resolução de  conflitos trabalhistas» Romagnoli 1963, p. 6. Além disso, já no início da década de 1960, o próprio autor, observando  especialmente os pródromos da negociação articulada, viu (e auspiciava) «um novo modelo de relações coletivas que  [permitisse] que o sindicato se tornasse parte da dinâmica da empresa para proteger os trabalhadores, estimulando sua  participação ativa […] e, ao mesmo tempo, [permitisse] que o empregador se beneficiasse de uma compacta “presença  operária” responsável», p. 74.

14 A degeneração do sistema de contratos públicos foi, inclusive, objeto de atenção da COMMISSIONE DI GARANZIA  PER LO SCIOPERO NEI SERVIZI PUBBLICI ESSENZIALI [Comissão de Garantia para greves em serviços públicos essenciais],  que dedicou um dossiê específico ao fenômeno intitulado Appalti e conflitto collettivo: tendenze e prospettive [Contratos e conflitos coletivos: tendências e perspectivas], pedindo que se considere, entre as soluções para conter  efetivamente o fenômeno do dumping salarial, a regra de igualdade de tratamento entre empregados do contratante e  do contratado, outrora prevista no Art.3 da lei nº 1369 de 1960, revogado pelo Art. 86 do DL. nº 276/03. Uma  indicação semelhante vem, hoje, do recente documento do Cnel intitulado Elementi di riflessione sul salario minimo in  Italia (Elementos de reflexão sobre o salário mínimo na Itália), datado de 12 de outubro de 2023, que pede que seja  considerada a reintrodução da regra de igualdade salarial «para combater o fenômeno do dumping contratual no sistema  de contratos de serviços e cadeias de franquia» (p. 36 s.). Na doutrina ver Corazza 2021, pp. 1095 s.

15 Na doutrina, o censo que deu origem a esse resultado anormal foi comentado por Ciucciovino 2020, que, ao  alternar entre acordos coletivos micro setoriais muito semelhantes entre si e, em outros casos, contatos abrangentes e  adaptáveis às mais diversas atividades – como é o caso do chamado CCNL Multiservizi –, denunciou legitimamente  uma espécie de “anarquia sindical”.

16 No momento da apresentação da proposta unitária de 28 de junho de 2023 (pelo Partido Democrático,  Movimento 5 Stelle, Esquerda Italiana, Europa Verde, + Europa e Azione), outros seis projetos de lei estavam no parlamento, quatro dos quais foram apresentados em 13 de outubro de 2022 (projeto de lei Fratoianni, nº 141, projeto de lei Serrachiani, nº 210, projeto de lei Laus nª 216 e projeto de lei Conte nº 306), um em 24 de outubro de 2022 (projeto  de lei Orlando nº 432) e um em 28 de março de 2023 (projeto de lei Richetti nº 1053).

17 A proposta unificada é apresentada como uma lei de implementação constitucional. Em primeiro lugar, fazendo  referência expressa ao Art. 36 da Constituição, a proposta estende a todos os funcionários um tratamento econômico  geral não inferior ao previsto no CCNL «celebrado pelas associações de empregadores e empregados mais  representativas em nível nacional» (Art.s 2 e 3). Ao mesmo tempo, para proteger os salários dos trabalhadores  empregados nos setores mais frágeis e problemáticos, foi introduzido um limite mínimo obrigatório de 9 euros brutos  por hora (Art. 2, § 1, último parte). Além disso, seguindo o layout preferido em alguns dos projetos de lei em  consonância com o espírito do Art. 35 da Constituição, A proposta vai além da proteção do emprego subordinado,  abrangendo não apenas as colaborações de subordinação jurídica (Art. 2, do DL. nº 81/2015) mas também as  colaborações coordenas e continuadas (Art. 409 nº 3, do Código de Processo Civil) e trabalho autônomo em geral (Art. 2222 do Código Civil), tomando emprestada a fórmula já experimentada e testada pelo legislador no campo de algumas  profissões comuns, segundo a qual é exigida uma «compensação proporcional ao resultado obtido, tendo em conta o  tempo normalmente necessário para alcançá-lo» (Art. 1, §3).

18 Se trata das sentenças de Cassação seção dos trabalhadores nº 27711, 27713, 27769 de 2 de outubro de 2023,  que reformam as sentenças da Corte de Apelação. de Torino e da Corte de Apelação de. Milano.

19 Refere-se, em especial, ao Documento do Cnel Elementi di riflessione sul salario minimo in Italia (Elementos  de reflexão sobre o salário mínimo na Itália), aprovado pela maioria da Assembleia de 12 de outubro de 2023, com 39  votos favoráveis e 15 contrários, entre os quais membros do CGIL, UIL e USB, enquanto a Legacoop optou por não  participar da votação.

20 C. Constitucional nº 30/1960, e C. Constitucional nº74/1966, cit. no ponto 28 da fundamentação.

21 Cfr. Orlandini 2018, para o qual precisamente a luta contra o dumping é, para a Corte, «um princípio de  importância constitucional inerente ao Art. 36, §1, cujo instrumento natural e ideal de implementação é a negociação de  categorias» (p. 13).

22 C. constitucional 11 de março de 2015, nº 51.

23 «Se, como já declarado pela própria Corte Constitucional (nº 51/2015), essa referência legal ao CCNL não se  aplica como uma restrição externa e superior ao juiz (e, por essa mesma razão, não viola o Art. 39 da Constituição),  deve, necessariamente, continuar sendo um parâmetro sujeito à avaliação judicial e, como tal, passível de ser  desconsiderado de acordo com a Constituição. Portanto, parece que, em nosso sistema jurídico, uma lei sobre o “salário  legal”, como a lei sobre cooperativas, não possa ser realizada por meio de um adiamento em branco da negociação  coletiva, uma vez que o adiamento deve ser entendido dentro da estrutura constitucional que impõe um mínimo  intransponível no caso concreto. Assim, uma lei (como a lei sobre cooperativas e em qualquer outro setor) que exija a  determinação de um salário mínimo por meio de negociação também deve estar sujeita a uma interpretação em  conformidade com o Art. 36 e com o Art. 39 da Constituição».

24 Enfatiza-o Scarponi, infra, observando como a Corte de Cassação indique, como parâmetro a ser usado para  estabelecer a remuneração equitativa, principalmente aquela estabelecida por acordos coletivos, «que, no entanto, tem a natureza de uma simples presunção que admite a comparação do tratamento contestado com as taxas de outros acordos  coletivos no mesmo setor ou em setores relacionados» (c.nº).

25 Alterado por atrasos frequentes nas renovações de contratos (p. 18-20, p. 39) e pelo problema da sobreposição  de perímetros contratuais (p. 32).

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Federico Martelloni é Professsor Associado de Direito do trabalho do “Dipartimento di Scienze Giuridiche” na Universitá di Bologna. Em 2001, obteve o “Premio Barassi” pela melhor tese defedida na Itália em 2001. Estuda os temas das transformações do trabalho e da seguridade social, escrevendo em revistas como a Lavoro e Diritto, na qual já foi editor.