Desarticulação da negociação e “novos” problemas da representação e da representatividade sindical 

Desarticulação da negociação e “novos” problemas da representação e da representatividade sindical 

Francisco Trillo 

Professor Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Universidad Castilla-La Mancha – UCLM. 

 

  1. Transformações no mundo do trabalho e precariedade laboral 

O momento atual é muito sugestivo para o estudo das relações de trabalho e do conjunto de normas que ordenam – e desordenam – o vínculo entre empresário e trabalhador. A partir da crise sistêmica que teve início em 2008, tornou-se uma necessidade inadiável indagar sobre a configuração de uma sociedade que se diz fundamentada nas relações de produção capitalista, isto é, na consideração de que a sociedade está formada por indivíduos que se inserem em grupos em função da posição que ocupam no sistema de produção capitalista. Essas posições, como se sabe, autorizam uma desigualdade social a partir do momento em que a relação de trabalho por conta alheia aparece caracterizada pela subordinação do trabalhador com relação ao empresário. Essa subordinação jurídica, também econômica e social, configura-se politicamente como contrapartida necessária do sistema pelo qual o trabalhador acessa uma série de direitos individuais e coletivos que lhe outorgam o status de cidadão. 

As posições tradicionalmente identificadas nas relações de trabalho aparecem, portanto, ligadas ao fato da propriedade e ao seu intercâmbio: a propriedade dos meios de produção e a propriedade da força de trabalho. Desse modo, as categorias sociais de empresário e trabalhador foram acomodadas e foram criadas as condições para o estabelecimento de um contrato social pelo qual o empresário mantém uma posição dominante na sociedade capitalista em troca da garantia da denominada cidadania laboral dos trabalhadores. Hoje, porém, essas posições sociais não atendem exatamente àquela clássica distinção entre proprietários dos meios de produção e proprietários da força de trabalho, nem ao intercâmbio entre uma e outra. 

Do lado do empresário, assistimos à dissolução da noção clássica de empresa centrada na reunião de três elementos fundadores: organização produtiva autônoma; empresa empregadora e empresa como centro de decisão sobre um capital1. A ruptura da identidade dessas três manifestações da noção de empresa introduziu altas doses de desestabilização no corpus normativo chamado Direito do Trabalho, que tem como objetivos a canalização do conflito social e a busca do bem-estar das classes trabalhadoras. Tentemos analisar sinteticamente os fatores de ruptura dos diversos elementos constitutivos da noção de empresa. 

A empresa organização produtiva autônoma, na qual se materializa a reunião coletiva de trabalhadores em torno da produção de um mesmo bem ou serviço, aparece decomposta em uma plêiade de relações complexas entre empresas para a produção de determinado bem ou serviço. Tais formas de organização complexa compartilham uma base comum, o dilema entre produzir na empresa ou contratar no mercado determinadas fases da produção. O pressuposto comum desse dilema, o aumento do lucro empresarial, concentra a atenção sobre os denominados custos transacionais, dando lugar a uma relação entre lucro empresarial e constante diminuição do custo de uma força de trabalho igualmente decomposta.2 Essa decomposição do local de trabalho, como teremos a oportunidade de aprofundar mais adiante, comporta fortes consequências na tomada de consciência da solidariedade, organização e mobilização dos trabalhadores. 

A empresa centro de decisão sobre um capital deixou de ser o paradigma majoritário para, produto do aparecimento da figura da “empresa complexa”, dar lugar a uma pluralidade de centros de decisão sobre um capital que redimensionam, na realidade, seu caráter privado. Com efeito, a relação entre empresa e Estado, hoje, vai além dos limites de intervenção do último sobre a economia. Assistimos a uma relação na qual um determinado capital é constituído, promiscuamente, pelo público e pelo privado. Nesse sentido, em sua face mais pejorativa, basta dar uma olhada nos escândalos de corrupção que vinculam os espaços públicos com os interesses privados ou na forma como a dívida privada se converte em pública. 

Por sua vez, a empresa empregadora sofreu fortes comoções devido ao surgimento da figura da empresa complexa, que encontra sua origem na figura do empresário pessoa jurídica.3 A esse respeito, a problemática se apresenta em termos de representação e apropriação dos interesses empresariais na pessoa do empregador com o qual o trabalhador conclui um contrato de trabalho. Assim, há uma situação cada vez mais generalizada em que o empregador, com o qual o trabalhador estipula seu contrato de trabalho, não possui a capacidade de organização e direção, dada a sua dependência financeira e organizacional com relação a outra ou outras empresas. 

O distanciamento entre esses três elementos fundadores da noção de empresa atua de modo decisivo na eficácia de seu par antagônico, identificado no Direito do Trabalho. Para além desse fato objetivo, o desajuste entre realidade social e norma trabalhista é, a nosso ver, um dos fatores desencadeantes da chamada precariedade laboral. Em outras palavras, a ruptura entre as noções de empresa capital, empresa empregadora e empresa centro autônomo de organização de uma determinada produção de bens e/ou serviços faz com que, na prática, as regras do Direito do Trabalho, desenhadas sobre a noção clássica de empresa, pareçam hoje ineficazes. 

No âmbito da noção de trabalhador, a insatisfação do critério jurídico dominante4 para a incorporação do trabalhador em determinada posição social teve consequências profundas na eficácia da tutela da norma trabalhista e na entronização da sociedade salarial. Desse modo, verifica-se uma situação de fragmentação – dentro e fora do conceito mais formal de trabalhador – que tende à degradação das condições de trabalho e vida das pessoas que ocupam uma posição na sociedade em que seu modo de integração passa apenas pelo trabalho que prestam em regime de subordinação. Assim, é muito familiar ouvir falar de diversas categorias de trabalhadores: por conta alheia com uma relação comum ou especial; trabalhadores autônomos dependentes economicamente; falsos autônomos etc. 

Em outra ordem de coisas, embora estreitamente relacionada com essa tendência à estratificação da noção de trabalhador, a categoria formal de trabalhador por conta alheia é desagregada, mesmo institucionalmente, em uma série de subcoletivos, como os trabalhadores jovens, as mulheres trabalhadoras, os trabalhadores migrantes, os trabalhadores indefinidos, os trabalhadores temporários etc. Tal situação responde paradoxalmente a processos paralelos de integração e exclusão sociotrabalhista. Ou seja, por meio daquela estratificação, coloca-se como objetivo a inclusão de pessoas trabalhadoras com dificuldades de acesso e permanência no mercado de trabalho ao mesmo tempo em que tal integração é produzida com níveis de tutela sensivelmente inferiores. 

Devemos reconhecer, após uma leitura conjunta das tendências que se materializam no âmbito das noções de empresa e trabalhador, que o trabalho em seu sentido ontológico sofreu um deslocamento político e social por meio das mudanças introduzidas sucessivamente no campo das relações trabalhistas. Fomenta-se uma máxima capitalista identificada com táticas militares e que se resume no princípio de atuação divide et impera: uma divisão entre coletivos de trabalhadores, por ocasião das transformações da empresa e/ou dos trabalhadores, funcional para a degradação progressiva da concepção da sociedade salarial, para a precarização da sociedade do trabalho. 

A precariedade laboral derivada dessa fragmentação das classes trabalhadoras e capitalistas provoca a presença de trajetórias de trabalho e vida muito diferentes que, por sua vez, implicam diferentes modos de estar na sociedade. O efeito imediato da precariedade laboral e de vida pode ser resumido na ausência de participação, representação e integração social de todos aqueles trabalhadores que veem seus projetos de trabalho e de vida precarizados. Essa ausência de participação, representação e integração social constitui, sem dúvida, a vontade do indivíduo afetado por tal panorama. Trata-se, portanto, de componentes da sociedade que vivem unicamente no presente, desprendem-se de seu passado e não se projetam ao futuro, já que ele não apresenta possibilidades de mudança. Em outras palavras, a precariedade laboral provoca um efeito de imobilidade social e política, dada uma determinada representação do indivíduo de si mesmo em uma sociedade muito distante de sua materialidade de trabalho e de vida. 

Em última instância, a realidade do trabalhador precário cria, ou pelo menos permite criar uma explicação da precariedade laboral – também social – como parte de um movimento social que, longe de tender à individualização das relações sociais como se costuma afirmar categoricamente, expressam, reformuladas, solidariedades entre trabalhadores, entendidos em seu sentido ontológico, que não deixa de ser também material. Ou seja, não cabe esperar que a precariedade laboral crie uma solidariedade em torno do trabalho, quando é o trabalho precisamente o elemento que distancia o trabalhador da sociedade. Por mais que, em algumas ocasiões, possa surgir um silogismo do seguinte teor: quem sofre uma situação injusta – em nosso caso, a precariedade laboral – deveria mostrar um comportamento reativo contundente no sentido contrário e na mesma intensidade que a recebida, a saber, mobilização e protesto social.  

O problema é muito mais complexo a partir do momento em que uma grande parte da sociedade é de trabalhadores precários, no melhor dos casos, que não conheceram outra situação diferente. E mais, sua identificação com o adjetivo precários torna-se impossível pela inconsciência de sua própria situação. Note-se que, para identificar uma situação de trabalho como precária, também é preciso saber qual situação de trabalho não é precária. Muitos de nós trabalhadores não conhecemos outra situação senão a de precariedade laboral, ainda que tal noção tenha sido contada por outros.5 

 

  1. Trabalhadores precários, identidades para além do trabalho 

O trabalhador precário, como se pôde comprovar, não é consciente de sua própria condição. Talvez porque não exista tal categoria de trabalhadores (precários), mas ela se localize de forma transversal nas relações de trabalho. Ou talvez porque não tenha experimentado outra existência trabalhista que não fosse a precariedade. Em qualquer caso, o trabalhador que sofre situações de precariedade mantém uma relação distante, às vezes alheia, ao mundo do trabalho. Não à toa, sofre uma espécie de exílio para os confins do trabalho, muito próximo, por vezes, da própria exclusão social. Em outras palavras, a identidade que geralmente se forja por meio da inserção no trabalho não pode ser esperada de um coletivo de trabalhadores – cada vez mais importante quantitativa e qualitativamente – que é colocada fora da própria condição de trabalhador. 

Sendo assim, é possível concluir, um tanto precipitadamente, que a dimensão coletiva do trabalho dá lugar a um processo progressivo de individualização das relações sociais. Com isso, o desmonte das classes trabalhadoras e a simplificação política da chamada questão social reduzem o trabalho subordinado a uma visão essencialmente mercantil e patrimonialista. Porém, a verdade é que uma afirmação desse tipo deve ser confrontada com a diáspora de identidades emergentes e fragmentadas com as quais os trabalhadores aparecem hoje comprometidos: o gênero, a nacionalidade, a idade… Todas essas solidariedades que não têm o trabalho como centro gravitacional exclusivo são, em contraposição, forjadas e desenvolvidas no âmbito das relações trabalhistas, dando lugar a uma reformulação da visão tradicional da solidariedade entre trabalhadores. 

No entanto, o sujeito representativo clássico da solidariedade trabalhadora, o sindicato, tem dificuldades para internalizar tal reformulação daquela solidariedade entre trabalhadores. O resultado é uma perda de centralidade da representatividade do sindicato e a aparente sensação de dissolução da identidade do trabalho. Se a isso unimos os efeitos provocados pela precariedade laboral em sua vertente mais material, a exclusão social, a consequência imediata aparece disfarçada de uma perda de centralidade do trabalho e de seus representantes. 

Esta última situação, a aparente perda de centralidade do trabalho na constituição das sociedades capitalistas, está estreitamente relacionada a um dos fatores que explicam, a partir de uma ótica política, a crise atual e que é um dos fenômenos menos destacados no âmbito das ciências sociais e jurídicas: a relação entre trabalho e vida analisada a partir da polarização entre rendimentos do capital e rendimentos do trabalho que assistimos na atualidade e que, em última instância, tem a ver com aquele contrato social resumido na cidadania do trabalho, que aceita como contrapartida a subordinação de certos grupos sociais com relação a outros. Vejamos uma série de dados que permitem expressar melhor essa situação. 

Para tanto, tomaremos os Estados Unidos como exemplo. Em primeiro lugar, cabe destacar que, para encontrar resultados tão chamativos nos rendimentos do capital e do trabalho, é preciso remontar aos anos posteriores a 1929. Em segundo lugar, no início da década de 1980, 1% da população que pagava impostos nos Estados Unidos recebia 8% da renda nacional. Tal proporção, em 2007, havia experimentado um aumento até chegar a 18% da renda nacional. Em resumo, há enorme concentração tanto da renda quanto da propriedade, nos setores superiores de renda do país, alcançando uma polarização sem precedentes desde a Grande Depressão6. De modo geral, pode-se afirmar que o século XX terminou com recorde histórico em matéria de desigualdades e polarização de rendas, e que o século XXI continua na mesma linha. Um terço dos habitantes do planeta concentra todos os recursos, enquanto os dois terços restantes não possuem praticamente nada.7. 

Essa situação, por muitas razões técnicas que podem ser argumentadas a respeito, só pode ser explicada a partir do fenômeno de uma determinada repolitização da economia. 

 

  1. Representação dos trabalhadores: o sistema espanhol 

O prolongamento das relações de trabalho autoritárias, consequência da longa noite do franquismo, contribuiu significativamente para o desenho do quadro sindical e da representação coletiva, passando de uma desorientação generalizada nos primeiros momentos da transição política para um impulso firme, desde os anos 80 do século passado, do modelo espanhol de representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. 

De fato, o Estatuto dos Trabalhadores de 1980 lançou as bases desse modelo dual, atravessado pelo critério da audiência eleitoral como “medidor” da representação nos locais de trabalho e da representatividade sindical. Desse modo, o voto expresso pelos trabalhadores visa elucidar a concreta representação dos trabalhadores nos locais de trabalho (delegados de pessoal e comitês de empresa), bem como contrastar a representatividade das diferentes opções sindicais nos diferentes âmbitos territoriais e setoriais8 

Desse modo, o quadro de representação coletiva materializa-se em dois tipos de representação: unitária e sindical.  

  1. A representação unitária foi tradicionalmente construída como um organismo normalmente sindicalizado aberto a todos os trabalhadores, que se materializa na assembleia como lugar de debate e tomada de decisões. O sistema de eleição dessa representação é construído a partir do sufrágio pessoal, direto, livre e secreto, no qual se deve alcançar pelo menos 5% dos votos por cada colégio de eleitores (art. 71.2 ET). Dessa forma, os componentes que determinam a representação unitária são a circunscrição eleitoral (centro ou local de trabalho) e a unidade eleitoral (trabalhadores). 
  1. A representação sindical, por outro lado, caracteriza-se por ser de base associativa. Ela agrupa a totalidade de trabalhadores de uma empresa, grupos de empresas ou centro de trabalho filiados em determinado sindicato. Assim, podem coexistir tantas representações sindicais (seções sindicais) quanto sindicatos estiverem implantados em uma mesma unidade produtiva. Desse modo, por um lado, as sessões sindicais são constituídas como instâncias organizacionais internas do sindicato, mantendo-se unidas a este por meio de sua integração direta; por outro lado, as seções sindicais se mostram como representações externas às quais a lei confere determinadas vantagens e prerrogativas, sempre que elas contem com implantação na representação unitária ou pertençam a sindicatos representativos ou mais representativos. No entanto, a constituição de seções sindicais é um direito de titularidade individual que corresponde aos trabalhadores filiados a um sindicato. 

 

Pode-se afirmar que o modelo espanhol de representação dos trabalhadores no local de trabalho se caracteriza pela absoluta centralidade da audiência eleitoral. 

 

Taxa de filiação 

Taxa de representação 

Taxa cobertura negociação coletiva 

2,8 milhões 

8,7 milhões de trabalhadores 

11 milhões de trabalhadores 

19,7% da população assalariada 

56% da população assalariada 

74% da população assalariada 

CCOO: 1,2 milhões 

UGT: 0,9 milhões 

6,6 milhões da população assalariada. 76% da audiência eleitoral entre CCOO e UGT  

Composição mesas de negociadores: CCOO, 39,45%; UGT, 16,93% 

       

Essa dualidade da representação dos trabalhadores nos locais de trabalho converge, entretanto, quando se trata de negociar na empresa ou local de trabalho, uma vez que o ordenamento jurídico espanhol exige, no que diz respeito à composição da comissão negociadora e à posterior adoção do acordo, que as seções sindicais legitimadas inicialmente – aquelas com presença na representação unitária ou de sindicatos mais representativos – somem a maioria dos membros da representação unitária. 

Assim, pode-se afirmar que o modelo de legitimação da negociação no âmbito da empresa se encontra atravessado também pelo critério da audiência eleitoral, exceto no que se refere à negociação de convenções para grupos específicos de trabalhadores, em que o voto dos representados em uma ou várias seções sindicais constituem o critério de legitimação para negociar esses acordos9. 

 

  1. Repensando os conceitos de trabalhador e local de trabalho 

A representação dos trabalhadores nos locais de trabalho exige uma análise que, por um lado, aborde aqueles aspectos relacionados com o modo, conteúdo, exercício e garantias do trabalho de representação e, por outro lado, ofereça uma reflexão sobre o significado e o alcance do conceito de local de trabalho e de trabalhadores. 

O conceito de local de trabalho, muito provavelmente, tem sido uma das questões mais descuidadas nos estudos do juslaboralismo, devido fundamentalmente a sua imbricação com o Direito Comercial e com a forma-organização da empresa. Desse modo, o surgimento do empresário pessoa jurídica não provocou uma reformulação correspondente do conceito de local de trabalho no âmbito do juslaboralismo, nem o estudo dessa matéria foi estimulado em situações cada vez mais frequentes nas relações de trabalho, como a descentralização produtiva, grupos de empresa, deslocalizações ou, finalmente, a existência de trabalhadores transnacionais. Por fim, todas aquelas transformações operadas sobre a empresa fordista, decompondo-a em uma plêiade de unidades, mas concentrando ao mesmo tempo o poder econômico, constituem um desafio tanto para o sindicato quanto para a normatização das relações de trabalho. 

Esse comportamento da doutrina juslaboralista parece ter contagiado também os espaços de (não) reflexão dentro do sindicato, dotando-o de uma estrutura e organização nos locais de trabalho tipicamente fordista, em que a representação dos trabalhadores é realizada na empresa sem levar em conta as relações de interdependência com outras empresas que compõem todo um processo de produção. Além disso, a representação dos trabalhadores se expressa e materializa de acordo com a vinculação da empresa a determinado ramo de atividade, descuidando novamente de um dos aspectos mais relevantes e inovadores, que é a reunião em um mesmo local de trabalho de diferentes ramos de atividade, que por sua vez se atribuem contratualmente a diferentes empresas. 

Já o significado e o alcance do conceito de local de trabalho contêm uma reflexão, um pouco mais metafísica, relacionada com as transformações subjetivas que ocorrem no processo de produção. Nesse sentido, pretende-se evidenciar como a representação dos trabalhadores nos locais de trabalho implica uma seleção, inclusiva e excludente ao mesmo tempo, das situações nas quais a pessoa do trabalhador aparece protegida pelo trabalho da representação sindical. Isto é, o momento da biografia trabalhista que seleciona a representação dos trabalhadores é aquele em que o trabalhador se insere na empresa sob uma lógica estritamente produtivista. 

As biografias trabalhistas atuais, caracterizadas tanto pelas constantes transições do emprego ao desemprego quanto pelo caráter temporário do vínculo de atribuição do trabalhador à empresa, questionam um modelo de representação dos trabalhadores que considera apenas aqueles momentos nos quais o trabalhador aparece inserido na produção de bens ou serviços. Em outras palavras, verifica-se uma ausência de representação dos trabalhadores em todas aquelas fases nas quais os trabalhadores, mantendo materialmente sua condição como tal, não se inserem na dinâmica do processo de produção. 

Esse fato constitui um dos maiores desafios para a representação dos trabalhadores e para o próprio sindicato, já que, em última instância, trataria-se de aprofundar sua vertente sociopolítica. Nesse sentido, a representação dos trabalhadores deveria adotar uma plataforma reivindicativa mais rica e variada que dê conta das diferentes identidades sociais que, embora não tenham seu âmbito de expressão no local de trabalho, estão intimamente relacionadas com a pessoa que trabalha. Note-se que aqueles trabalhadores com uma relação esporádica com o trabalho, com transições constantes do emprego ao desemprego ou aqueles com relações de trabalho de caráter temporário, dificilmente podem estabelecer um diálogo com a representação dos trabalhadores no sentido clássico do termo. 

A representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, além de ser um instrumento básico de desenvolvimento da ação sindical na empresa, desenvolve um papel preponderante no processo de criação, conformação e aplicação de regras no espaço empresa. Isto é, a representação dos trabalhadores nos locais de trabalho implica obrigatoriamente estabelecer determinada dialética com o processo de conformação do conjunto de regras que ordenam as relações de trabalho na empresa. Isso independentemente da visibilidade concreta que o trabalho de representação dos trabalhadores possa alcançar no processo posterior de formalização, autônomo e/ou heterônomo, de tais regras. 

A função de representação dos trabalhadores, portanto, preenche de conteúdo o processo de criação e aplicação de normas, fundamentalmente por meio da ação coletiva e do conflito, criando uma estreita relação de dependência entre capacidade de representação, articulação do conflito e judicialização das relações de trabalho na empresa. Esse diálogo rico e interessante entre representação, conflito e criação/interpretação de regras não esgota sua potencialidade no espaço empresa, mas tende a ocupar um lugar, mais ou menos indeterminado, no intrincado espaço da regulação sociojurídica das relações de trabalho, chegando a desenvolver mediações entre os diferentes âmbitos de criação normativa. 

Desse modo, a emanação de uma norma trabalhista de aplicação geral, como aquela que costuma classicamente derivar de uma situação de crise econômica, encontra-se sempre condicionada, tanto no momento de gestação quanto no de aplicação concreta, pelo binômio representação/conflito nos diferentes locais de trabalho. No entanto, na hora de analisar o momento de criação normativa, particularmente em momentos de recessão econômica, costuma-se adotar uma análise unívoca e vertical da correlação de forças imperante em determinado momento, anulando mediante artifícios a variedade das resultantes de forças presentes nos locais de trabalho.  

Assim, a hegemonia política e cultural imperante nas relações de trabalho em um dado momento não pode – nem deve – ser confundida com a inexistência de uma variedade e complexidade de situações de força que podem estar operando contemporaneamente em diferentes espaços. Uma leitura uniformizadora da correlação de forças, identificada com o pensamento hegemônico imperante, pode trazer como resultado a sensação de incapacidade da ação coletiva naqueles momentos especialmente hostis a ela, quando precisamente as possibilidades de mudança e transformação política e cultural costumam aparecer em espaços nos quais a resultante de forças não se alinha plenamente com aquela hegemonia política e cultural. 

A nosso ver, é decisivo um tipo de análise que dê conta da variedade e complexidade do que se denomina correlação de forças, enfrentando, por um lado, o debate da articulação de estratégias sindicais em momentos em que a hegemonia política e cultural mostra uma sensível hostilidade à ação sindical; e, por outro lado, a identificação dos diferentes âmbitos a partir dos quais intervir com a finalidade de subverter, ou pelos menos amenizar, aquele pensamento hegemônico. 

A representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, e seus instrumentos de ação – fundamentalmente a articulação e a expressão dos conflitos sociotrabalhistas que surgem na empresa –, é de vital importância na construção de correlações de força que resistam, ou até transformem, realidades jurídicas adversas e contrárias aos interesses dos trabalhadores.  

Por todas essas razões, a função de representação dos trabalhadores nos locais de trabalho constitui um estímulo imprescindível na construção normativa das relações de trabalho como resultado, no geral, da colocação e desenvolvimento de conflitos sociolaborais. 

 

  1. Algumas reflexões finais: precariedade e trabalhadores jovens

Os processos paralelos de desconstrução e construção do modelo de sociedade em que o trabalho tem sido propositalmente afastado de sua relação com a cidadania, produziram como consequência um sentimento de estranheza dos trabalhadores mais jovens com relação ao trabalho. Soma-se a essa situação a precariedade do trabalho que atinge duramente esse coletivo, dificultando qualquer vínculo identitário possível entre os jovens e o trabalho. A combinação, por um lado, da artificiosa separação entre trabalho e cidadania por meio da promoção de um consumo financiado, além das condições de emprego e trabalho, junto com a superexploração desse coletivo, repercute, em última instância, em sua condição de cidadãos. Ainda mais no atual contexto, em que o consumo volta a ser indexado majoritariamente com as condições de trabalho e emprego. Por isso, qualquer reforma nesse âmbito deve ter como objetivo a recuperação da relação entre trabalho e cidadania, tanto na dimensão da estabilidade no emprego quanto na da melhora das condições de trabalho. 

Em estreita relação com o exposto, deve-se insistir na transformação da consideração do coletivo de trabalhadores jovens como uma espécie de potenciais cidadãos em sociedade, que enquanto não adquirirem a condição de trabalhadores adultos, não verão sua condição de cidadãos plenamente reconhecida. Note-se que quase 7% dos lares na Espanha, cerca de 16,1 milhões, têm uma pessoa com menos de 30 anos responsável pela família. Essa cifra que cresce exponencialmente quando se trata de jovens que trabalham, em que a maioria vive em suas casas, sejam elas alugadas ou próprias.10     

No âmbito mais estrito do trabalho, a consideração dos trabalhadores jovens mantém ainda reminiscências de tempos passados, em que os jovens e as mulheres eram vistos como forças médias. De tal forma que o trabalho a ser desenvolvido por tais forças médias era exatamente igual ao dos homens, chefes de família, mas seu reconhecimento monetário e social era sensivelmente inferior. Essa situação está muito relacionada com o denominado salário familiar, em que o pai contribuía como a principal fonte de renda da casa, enquanto o salário de mulheres e jovens constituía uma forma de complementar aquela fonte de renda. Esse fato constituía – e constitui – um forte obstáculo, como se sabe, para a emancipação tanto de mulheres quanto de jovens. Portanto, qualquer iniciativa nesse âmbito que consista na redução do estatuto jurídico dos trabalhadores jovens como fórmula de atração desse coletivo para o emprego resulta, de modo geral, na consideração desse coletivo como quase trabalhadores ou cidadão diminuídos. É por isso que as propostas ouvidas até agora sobre o tema devem ser contundentemente rejeitadas. Aquela que propõe a potencialização do trabalho em tempo parcial para esse coletivo de trabalhadores parece ter como destinatário todos aqueles jovens que, estando em um momento de formação, decidem combinar estudos e trabalho, com o qual não se pode reputar uma medida que venha a paliar o desemprego massivo sofrido pelos trabalhadores mais jovens. Por sua vez, a proposta dos empregadores é o paradigma exacerbado das práticas empresariais mantidas durante décadas: trabalho sem direitos. Em outras palavras, a absoluta patrimonialização das relações de trabalho. 

Após uma longa experiência na relação entre trabalho e emprego, depois de 30 anos de reformas trabalhistas, é possível afirmar que a criação do emprego não pode ser defendida a qualquer preço. A aceitação de que o emprego juvenil implique necessariamente importantes reduções no conjunto de direitos e deveres que conforma seu estatuto jurídico insiste no rumo disposto até o momento que nos levou aos níveis de precarização das condições de trabalho que conhecemos. 

Do que foi dito até agora, dois tipos de ações devem ser destacados a fim de contribuir para a melhoria do coletivo de trabalhadores jovens, uma vez terminado este tempo de crise. 

Por um lado, combater o fenômeno da temporalidade do trabalho juvenil, evitando que a causa da contratação temporária se reduza à idade do trabalhador. Um maior controle por parte da Inspeção de Trabalho e da Seguridade Social sobre as causas que habilitam a contratação temporária, com o objetivo final de ir descartando a cultura empresarial fraudulenta. Os trabalhadores jovens, apesar do que se costuma pensar, não estão em idade de suportar qualquer coisa que lhes ofereçam, de modo que seu acesso ao emprego não tem que passar necessariamente pela temporalidade. Note-se que, previamente à crise, a taxa de temporalidade entre os trabalhadores jovens chegou a 44%11 durante o ano de 2007, sem que, na atualidade, tenha sido experimentada uma reversão de tal situação de precariedade laboral. Quase a metade dos trabalhadores jovens que acessam o mercado de trabalho o fazem como trabalhadores temporários. Se não houver um controle sobre essas práticas ilegais em matéria de contratação temporária, questão altamente desejável para que se introduza uma dose de racionalidade na questão do emprego, será preciso abrir um debate sobre a proteção social desses trabalhadores, particularmente daqueles que se instalam na temporalidade e têm suas biografias trabalhistas preenchidas de conteúdo através das constantes entradas e saídas do emprego. 

Por outro lado, deve-se dar ênfase às condições de trabalho dos jovens, recuperando para esse coletivo o princípio de para trabalho igual, remuneração igual. Vale lembrar que as diferenças salariais entre trabalhadores jovens e adultos é, em ocasiões, muito chamativas, sobretudo quando a legislação vigente apenas autoriza essa diferença de remuneração por redução no âmbito dos contratos de formação. Não se pode insistir na ideia de que os trabalhadores jovens devam suportar desigualdades salariais pelo mero fato da sua idade. Essa situação, longe de ser um fato pontual que afeta esse coletivo, implica o conjunto de trabalhadores a partir do momento em que, de alguma forma, a possibilidade de força de trabalho a um preço sensivelmente inferior degrada os níveis salariais do conjunto de trabalhadores. Nessa mesma linha, é preciso destacar a importância da regulamentação de um tempo de trabalho que não impeça o desenvolvimento dos tempos de vida desses trabalhadores. Aspectos como a formação e o livre desenvolvimento da personalidade são decisivos nesse coletivo de trabalhadores. Para além da regulamentação convencional a esse respeito, o trabalho juvenil sofre o flagelo consistente no unilateralismo no estabelecimento das condições de trabalho, derivado de sua condição de trabalhador temporário. Esse, sem dúvida, é o desafio mais importante com relação aos trabalhadores jovens.