Sindicatos na Alemanha em 2021: breve panorama da situação e desafios

Sindicatos na Alemanha em 2021: breve panorama da situação e desafios

Heiner Dribbusch

Cientista social e ex-diretor do Departamento de Políticas Sindicais e Salariais do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (WSI) da Fundação Hans Bockler.

O marco jurídico e institucional

As relações trabalhistas alemãs exibem fortes laços jurídicos baseados na legislação e na jurisprudência. A característica mais marcante é o “sistema dual de representação de interesses” baseado em sindicatos e empregadores que são responsáveis unicamente pela negociação coletiva, e comissões de fábrica que são os principais órgãos de representação dos trabalhadores no local de trabalho. Este arcabouço foi desenvolvido na Alemanha Ocidental e estendido para toda a Alemanha após o colapso da RDA em 1990.

A Constituição da República Federal Alemã – a chamada ‘Lei Básica’ –, estabelecida na Alemanha Ocidental em 1949, garante a liberdade de associação tanto para empregadores quanto para trabalhadores. É particularmente significativo para os trabalhadores que ninguém pode ser impedido de se associar a um sindicato. Ao mesmo tempo, a associação a um sindicato deve ser voluntária: ninguém pode ser obrigado a entrar. Portanto, um local de trabalho não pode ser sindicalizado a priori; não existe a sindicalização “fechada”. Não existe associação coletiva. Cada trabalhador que se associa a um sindicato precisa preencher e assinar um formulário de adesão. Contudo, entre os grandes sindicatos, a associação é transferível. Isso significa que seus integrantes podem mudar de um para outro se trocarem de emprego, sem ter que se associar de novo do zero. Diferentemente de muitos outros países, na Alemanha os sindicatos não se envolvem no pagamento de seguro-desemprego ou de benefícios previdenciários.

Não há um cadastro oficial de sindicatos; logo, o número exato de sindicatos é difícil de estimar. Em princípio, qualquer grupo de trabalhadores pode criar um sindicato. Porém, para ter a capacidade jurídica de celebrar acordos coletivos válidos, os sindicatos devem ser totalmente independentes dos empregadores, organizar trabalhadores em mais de um local de trabalho ou empresa, e ter um nível mínimo de força organizativa e poder de barganha. Quando surge a questão de se esses requisitos foram preenchidos, a decisão final fica a cargo do Tribunal Trabalhista Federal. Em 2021, há aproximadamente 70 sindicatos na Alemanha que negociam e firmam acordos coletivos.

 Finanças

Os sindicatos não recebem dinheiro do governo ou subsídios públicos. A totalidade da organização sindical, todos os funcionários administrativos e assessores, precisa ser remunerada pelos próprios sindicatos. Suas únicas fontes de renda são as contribuições sindicais ou receitas de ativos (que historicamente também derivam contribuições sindicais). Em contraste com alguns outros países, os sindicatos não recebem renda adicional a partir de cobranças feitas de todos os trabalhadores e estabelecidas em acordos coletivos. Na maior parte dos sindicatos filiados à central sindical DGB, a contribuição sindical é de 1% do salário mensal bruto, geralmente paga por débito automático. Sócios que ficarem desempregados permanecem no sindicato pagando contribuições mais baixas. Quem optar por sair deve cancelar sua associação por escrito.

Negociação coletiva

A legislação principal relativa à negociação coletiva é a Lei de Acordos Coletivos (Tarifvertragsgesetz) de 1949. Ela estipula que, do lado dos trabalhadores, somente os sindicatos têm o direito de concluir acordos coletivos, embora tanto associações empresariais quanto empresas individuais possam ser partes de uma negociação. O padrão dominante desde 1949 tem sido a negociação coletiva com múltiplos empregadores por ramo, entre sindicatos e associações de empresas.

Alguns servidores públicos (Beamte), como policiais, juízes, muitos professores de escolas e universidades, muitos dos que trabalham na administração pública e outros, têm uma condição especial. Eles têm estabilidade no emprego, e sua remuneração e jornada são determinadas por lei pelo Parlamento. Eles não são abarcados pela negociação coletiva e, sob a legislação alemã – como interpretada até agora pelo Tribunal Trabalhista Federal (Bundesarbeitsgericht, BAG) – não têm o direito de greve.

Regulamentação de greves e locautes

Não há uma lei que regule as greves ou locautes. A Constituição alemã – tirante sua garantia geral da liberdade de associação – não os menciona. A regulamentação dos conflitos trabalhistas tem sido deixada para os tribunais. A jurisprudência tem se desenvolvido com base nas decisões do Tribunal Trabalhista Federal.

Um princípio jurídico fundamental que regula as disputas é que uma ação como uma greve deve almejar algo que seja regulado por um acordo coletivo. As greves e locautes são legais somente no contexto da negociação coletiva, e greves políticas ou gerais são proibidas. Ações secundárias ou greves em solidariedade podem ser legais em certas circunstâncias. Somente sindicatos têm o direito de convocar uma greve. Não existe um direito de greve individual dos trabalhadores. Greves que não sejam oficialmente reconhecidas por um sindicato são ilegais. Uma votação secreta não é necessária, a não ser que as regras do sindicato o exijam.

Representação no Local de Trabalho

No âmbito da empresa, a representação dos trabalhadores no setor privado é regida pela Lei da Constituição de Empresas (Betriebsverfassungsgesetz, BetrVG). Uma comissão de fábrica pode ser criada em qualquer estabelecimento com no mínimo cinco funcionários. Todos os funcionários – sejam eles sindicalizados ou não – têm o direito de votar e de se candidatar.

A comissão de fábrica tem uma série de direitos de co-determinação, consulta e informação, mas não tem direito de negociar questões sujeitas a acordos coletivos, a não ser em casos em que tais acordos o permitam explicitamente. A comissão de fábrica não tem direito de convocar uma greve ou outra ação do gênero. Integrantes da comissão de fábrica que são sócios do sindicato frequentemente são dirigentes ex officio de seus sindicatos. Na sua qualidade de representantes sindicais, muitos também fazem parte das comissões negociadoras dos sindicatos e, portanto, participam das decisões de seus sindicatos sobre reivindicações de negociação coletiva, discutem o rumo das negociações e estão envolvidos nas decisões relativas a ações sindicais. Membros de comissões de fábrica têm o direito de ser liberados do trabalho com remuneração integral para desempenhar seus deveres legais, mas não para trabalho sindical. Cerca de 75% dos integrantes de comissões de fábrica são trabalhadores sindicalizados.

No setor público, o órgão de representação no local de trabalho se chama conselho de pessoal (Personalrat), que é o equivalente à comissão de fábrica no setor privado e é eleito por todos os funcionários dos órgãos do setor público. Servidores públicos com direito à negociação coletiva (Angestellte im öffentlichen Dienst) e os do regime especial (Beamte) formam dois grupos diferentes do eleitorado e os assentos são distribuídos de acordo com o tamanho de cada grupo. Em geral, os direitos de co-determinação do conselho de pessoal são mais fracos que os da comissão de fábrica.

Benefícios relacionados à sindicalização

Somente os integrantes do sindicato têm o direito legal de cobertura por um acordo coletivo (se seu empregador for signatário de um acordo coletivo). Contudo, as empresas costumam estender os acordos coletivos a todos os funcionários de modo a evitar empurrar os trabalhadores para os braços dos sindicatos.

Benefícios individuais oferecidos por sindicatos. A maior parte dos sindicatos oferece aos sócios benefícios – às vezes expressivos – em dinheiro em caso de greves oficiais ou locautes no contexto de um processo de negociação coletiva conflituoso. Sindicatos também oferecem apoio e assessoria jurídica gratuita com relação a conflitos empregatícios e disputas legais sobre serviços de seguridade social como aposentadorias e seguro-desemprego. Os sindicatos oferecem treinamento gratuito para seus representantes não remunerados e ativistas. Eles também produzem uma série de publicações em papel e eletrônicas, e organizam eventos políticos e culturais para seus sócios e o público em geral.

Panorama sindical

Ao final de 2020, cerca de 7,7 milhões de pessoas eram representadas por um sindicato na Alemanha. Esses trabalhadores sindicalizados se distribuem basicamente entre três centrais sindicais concorrentes e vários sindicatos profissionais independentes.

A maior central sindical do país é a Confederação Alemã de Sindicatos (Deutscher Gewerkschaftsbund, DGB), fundada em 1949. Em 2020, seus oito sindicatos filiados representavam cerca de 5,9 milhões de trabalhadores – três quartos de todos os trabalhadores sindicalizados da Alemanha. A DGB é seguida em segundo lugar pela Federação do Serviço Público e Associação de Negociação Coletiva (dbb beamtenbund und tarifunion) – geralmente abreviada na esfera pública para Beamtenbund (Federação do Serviço Público, dbb) – com 1,3 milhões de sócios em 40 sindicatos filiados. A menor central é a Confederação Sindical Cristã da Alemanha (Christlicher Gewerkschaftsbund Deutschlands, CGB), com 13 sindicatos filiados. Ela alega ter um total de 280.000 integrantes, mas esse número é contestado. Os sindicatos da CGB têm a má fama de assinar acordos coletivos que solapam a remuneração e condições de trabalho negociadas por outros. Em 2021, o Tribunal Trabalhista Federal decidiu que o – supostamente – segundo maior sindicato filiado à CGB, o DHV – Die Berufsgewerkschaft (O Sindicato Profissional), não tem a capacidade legal de firmar acordos coletivos.

Por último, há um outro grupo de sindicatos que não pertencem a nenhuma das três centrais. Estima-se que esses sindicatos tinham um total de cerca de 284.000 sócios em 2020. A maior parte destes sindicatos, mas não todos, celebram acordos coletivos sozinhos. O que eles têm em comum é que eles sindicalizam grupos profissionais. De longe o maior desses sindicatos é a Associação de Médicos Assalariados do Serviço Público da Alemanha (Marburger Bund, MB), com 127.000 membros em 2020.

A DGB e seus sindicatos filiados

Na Alemanha pós-1945, o princípio de um sindicato unitário e não partidário prevaleceu, já que a divisão política do movimento sindical era vista como uma das razões pelas quais os nazistas conseguiram esmagar o movimento em 1933 com relativamente pouca oposição. Contudo, com a escalada da Guerra Fria, o movimento sindical rachou mais uma vez, com uma central alemã ocidental e outra alemã oriental. Após 1990, a central sindical oriental se dissolveu e os sindicatos alemães ocidentais se expandiram para o leste da Alemanha. A DGB e seus filiados (e também a dbb) se consideram centrais não partidárias e não recebem financiamento de qualquer partido político. Porém, historicamente, os sindicatos da DGB individualmente têm sido particularmente próximos dos social-democratas. De uns anos pra cá, os sindicatos da DGB têm se tornado politicamente mais diversos e mostrado simpatias também fortes em relação ao Partido da Esquerda (DIE LINKE) e aos Verdes.

O princípio de ‘uma empresa, um sindicato’ se aplica na DGB. Os oito sindicatos filiados à DGB se consideram sindicatos de ramo que representam todos os trabalhadores de seu território independentemente de status, categoria ocupacional ou profissão. Contudo, fusões têm levado ao surgimento de grandes sindicatos multi-setoriais. A reestruturação de setores e empresas, a sobreposição de responsabilidades (como, por exemplo, na educação, no fornecimento de energia ou na logística) e o surgimento de novas indústrias (TI, energia solar e eólica) têm levado a conflitos de demarcação no seio da DGB. Isso resultou em uma série de acordos inter-sindicais para diminuir essas tensões.

Tabela 1: Áreas de organização de sindicatos da DGB

Sindicato

Áreas de organização

Sócios 2020

Industriegewerkschaft Metall (Sindicato Alemão de Metalúrgicos; IG Metall)

Indústria metalúrgica e eletrônica, indústria siderúrgica, têxteis e confecção, limpeza de tecidos, processamento de madeira, mecânica de automóveis, eletricistas, carpintaria, encanamento, gestão predial, logística de contrato.

2.214.000

Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft (Sindicato Unificado de Serviços; ver.di)

Serviço público, comércio, bancos e seguradoras, saúde, profissionais do setor de cuidados, serviços sociais e educacionais, transporte, logística de contrato, portos, meios de comunicação, indústria gráfica, serviços de vigilância e segurança, setor imobiliário, bombeiros etc.

1.941.000

Industriegewerkschaft Bergbau, Chemie, Energie (Sindicato das Indústrias de Mineração, Química e Energia; IG BCE)

Indústria química, farmacêutica e de vidro, mineração, empresas de fornecimento de energia etc.

606,000

Gewerkschaft Erziehung und Wissenschaft (Sindicato de Educação e Ciência; GEW)

Professores de educação infantil, escolas, educação superior e profissionalizante.

280,000

Industriegewerkschaft Bauen-Agrar-Umwelt (Sindicato da Construção, Silvicultura, Agricultura e Meio Ambiente; IG BAU)

Construção, limpeza industrial, gestão predial, horticultura, agricultura e silvicultura.

232,000

Gewerkschaft der Polizei (Sindicato da Polícia; GdP)

Serviços policiais.

198,000

Gewerkschaft Nahrung-Genuss-Gaststätten (Sindicato de Alimentação, Bebidas e Refeições Coletivas; NGG)

Indústria alimentícia, processamento de alimentos, moagem, indústria de bebidas, hotelaria e refeições coletivas, indústria do tabaco.

194,000

Eisenbahn- und Verkehrsgewerkschaft (Sindicato das Ferrovias e do Transporte; EVG)

Ferrovias, transporte ferroviário.

184,000

Fonte: DGB; compilação própria.

A proporção de mulheres nos sindicatos da DGB tem se mantido relativamente estável nos últimos anos. Em 2020, 34% dos 5.850.000 integrantes de sindicatos da DGB eram mulheres. Nos sindicatos individualmente, a proporção de mulheres entre os sócios é influenciada pela estrutura do emprego nos respectivos territórios de organização. De longe, a maior participação de mulheres é do GEW, com cerca de 72%, seguido pelo ver.di com 53% e o NGG com 41%. Todos os três sindicatos organizam setores com uma proporção relativamente alta de trabalhadoras mulheres. Uma proporção significativamente menor de mulheres são representadas pelo IG Metall (18%), e EVG e IG BCE, com cerca de 22% cada. Mais de um quarto dos integrantes do GdP (27%) e do IG BAU (29%) são mulheres.

A Federação do Serviço Público

A segunda maior central sindical é a Federação do Serviço Público (dbb). Seus 40 sindicatos industriais e profissionais filiados organizam predominantemente servidores públicos, mas também funcionários com cobertura de acordos coletivos em todos os níveis do serviço público e às vezes também no setor privado. No final de 2018, os sindicatos filiados à dbb juntos tinham 1.317.000 sócios, dos quais 32% eram mulheres. A proporção de sócios jovens, ou seja, com idades entre 16 e 30 anos, era de aproximadamente 11% (cerca de 150.000). Não há dados sobre a proporção de sócios aposentados e desempregados. Com 925.000 membros, a dbb é de longe a maior central entre servidores públicos.

As maiores entidades filiadas à dbb se encontram no setor escolar e de educação, em serviços de segurança e na administração municipal e tributária. Os interesses de negociação coletiva dos 394.000 integrantes da dbb que não são servidores públicos são representados pela dbb tarifunion (Associação de Negociação Coletiva). Um papel particular é desempenhado pelo Gewerkschaft Deutscher Lokomotivführer (GDL – Sindicato Alemão dos Condutores de Trens), que representa condutores de trens e parte dos trabalhadores ferroviários. Eles vivem em concorrência acirrada com o EVG, o sindicato muito maior do transporte ferroviário. A dbb também se considera não partidária e independente, mas tradicionalmente tem boas relações com a União Democrática Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU).

Desafios

A erosão da cobertura da negociação coletiva

Na Alemanha, a negociação coletiva com diversas empresas ainda é a norma. Entretanto, desde a década de 1990, uma erosão do sistema de negociação coletiva tem se observado, com a cobertura da negociação coletiva de empresas e funcionários em declínio e a natureza vinculante e a uniformidade dos padrões negociados sendo solapados devido a uma série de cláusulas de abertura em acordos coletivos.

O escopo da política de negociação de um sindicato depende acima de tudo de quantos funcionários são abarcados pelos acordos coletivos em questão. Portanto, de uma perspectiva sindical, é preocupante que a negociação coletiva tenha continuado a declinar. Enquanto no ano 2000 cerca de 68% de todos os trabalhadores tinham a cobertura de um acordo coletivo, em 2020 esse número havia caído para 51% (53% no ocidente e 43% nos estados do leste).

Representação no local de trabalho sob pressão

Essa erosão da negociação coletiva coincide com o fato de que particularmente em estabelecimentos de pequeno e médio porte somente uma minoria de trabalhadores têm a cobertura de uma comissão de fábrica. Em 2020, apenas 40% dos trabalhadores dos estados ocidentais e 36% dos trabalhadores dos estados orientais da Alemanha tinham uma comissão de fábrica.

Se observarmos a combinação de cobertura de negociação coletiva e de comissão de fábrica no setor privado, verificamos que em 2018 somente 22% dos trabalhadores do leste e 33% dos trabalhadores do oeste da Alemanha tinham ambas – ver tabela 1, abaixo. Mas 43% dos trabalhadores do leste e 37% dos trabalhadores do oeste trabalhavam em empresas que não tinham nem acordo coletivo nem comissão de fábrica.

Tabela 1: Distribuição da cobertura de negociação coletiva e comissão de fábrica no setor privado em 2018
(Proporção de trabalhadores com cobertura em %)

Estados ocidentais da Alemanha

Estados orientais da Alemanha

Total

Indústria de transformação

Serviços

Total

Indústria de transformação

Serviços

Cobertura de negociação coletiva e comissão de fábrica

33

53

29

22

29

22

Comissão de fábrica apenas

10

14

7

13

24

13

Negociação coletiva apenas

20

7

24

17

5

21

Nenhuma das duas

37

25

38

48

43

44

Total

100

100

100

100

100

100

Fonte: Painel de Estabelecimentos do IAB.
Obs.: Setor privado menos agricultura e entidades sem fins lucrativos As porcentagens nas colunas podem não somar 100 exatamente devido ao arredondamento.

Portanto, pode-se distinguir três “mundos de regulação” (Schroeder e Wessels, 2003). O primeiro desses mundos é composto por empresas de grande porte com relações bem estabelecidas entre os sindicatos e as associações patronais. As fábricas automotivas e químicas estão no âmago deste mundo. A maior parte desses estabelecimentos está localizada no oeste da Alemanha. Até certo ponto, o serviço público também pode ser contado como parte deste “primeiro mundo”, mas a força dos sindicatos declinou significativamente desde a década de 1990. O “segundo mundo” inclui segmentos onde embora a presença sindical não seja uniforme, as comissões de fábrica e/ou acordos setoriais ainda têm seu papel. Este “segundo mundo” é representado por partes da indústria de transformação em que predominam empresas de pequeno e médio porte, a indústria da construção, ramos tradicionais do setor privado como bancos, comércio varejista ou limpeza industrial, e uma variedade de ofícios. Por último, o “terceiro mundo” consiste de empresas e setores com representação apenas marginal como regra geral. Associações patronais raramente são encontradas neste mundo e a representação de interesses por meio de comissões de fábrica é a exceção, assim como a existência de acordos coletivos. Este mundo se caracteriza por pequenas empresas frequentemente geridas pelo próprio proprietário, mas também por vários grandes prestadores de serviços que estão surgindo no mercado em diversos setores como TI e telecomunicações, grandes partes do transporte rodoviário e na logística de contrato. Este “terceiro mundo” em grande medida coincide com aqueles estabelecimentos que não têm nem comissão de fábrica nem acordo coletivo. Porém, ele também se estende a setores e estabelecimentos com cobertura formal de negociação coletiva, mas com uma presença sindical marginal.

A composição desses três mundos não é rígida, mas muda constantemente. Eles afetam uns aos outros, e são vinculados por cadeias de suprimentos interconectadas e a política de terceirização, entre outros. Encontramos esses “mundos” até dentro de uma mesma fábrica. Na indústria automotiva, por exemplo, às vezes apenas uma minoria dos funcionários é empregada diretamente pela empresa dona da marca, ao passo que a maioria dos trabalhadores é empregada por empresas terceiras ou várias agências de empregos temporários.

Sindicalizando os não sindicalizados

Em 2020, aproximadamente um quarto dos 7,7 milhões de sócios de sindicatos eram ou aposentados ou desempregados. Estima-se que a proporção de trabalhadores da ativa sindicalizados seja de 15% do total. Em outras palavras: 85% dos trabalhadores da Alemanha não são sócios de um sindicato. Contudo, há enormes diferenças entre indústrias e locais de trabalho. Por exemplo, mais de 50% dos trabalhadores da produção são sindicalizados nas indústrias automotiva, siderúrgica de aços curtos, algumas empresas concessionárias e partes do serviço público. Por outro lado, menos de 10% dos trabalhadores são sindicalizados no comércio varejista, em logística, na maior parte da indústria de TI e em partes da administração pública. Como tendência, pode-se dizer: quanto menor o local de trabalho, mais fragmentados os trabalhadores e menor a presença sindical.

Uma base de sócios estável e vigorosa continua sendo de importância crucial para a força do sindicato e sua musculatura negocial. Portanto, o maior desafio para o movimento sindical alemão tem sido, e continua sendo, manter-se a par das mudanças estruturais e expandir a presença sindical em setores e locais de trabalho para os quais a maior parte dos empregos está migrando. O foco é na área de serviços do setor privado e em empresas pequenas e médias. Nesses segmentos, os sindicatos são sub-representados nas áreas com funcionários mensalistas. Não é impossível conquistar novos sócios aqui, como já foi mostrado várias vezes – não há nem uma animosidade fundamental com relação aos sindicatos, nem uma questão de imagem. O principal problema estrutural é que, em um mundo do trabalho cada vez mais fragmentado, existem muitas empresas com nenhuma ou quase nenhuma representação sindical. Em setores compostos principalmente de estabelecimentos de pequeno porte, a tarefa de construir estruturas de representação no local de trabalho requer um esforço desproporcionalmente grande, e frequentemente mal é factível com os recursos humanos disponíveis aos sindicatos. A divisão dos trabalhadores em centrais e periféricos, em funcionários em tempo integral, em tempo parcial e funcionários em tempo parcial ‘marginais’, e os regimes de jornada cada vez mais diferenciados também dificultam o desenvolvimento de solidariedade conjunta. A DGB já se deu conta da importância de adotar abordagens mais inovadoras tendo em vista esses desafios. Esforços específicos são direcionados a convencer trabalhadores jovens a se associar.

Em alguns setores, como os serviços de assistência social e creches, saúde, mas também reparos automotivos e algumas partes da indústria de transformação, tem se mostrado particularmente eficaz combinar a luta por acordos coletivos com esforços pontuais de sindicalização. O envolvimento direto dos trabalhadores no processo de negociação e, se necessário, em ações de enfrentamento, tem sido especialmente importante.

O trabalho em transição: digitalização, racionalização e mudanças climáticas

Em um documento político adotado em 2015, o Sindicato Unificado de Serviços, ver.di, observa que a digitalização pode ser uma oportunidade para melhorar as condições de trabalho se for moldada aos interesses dos trabalhadores (ver.di, 2015). Portanto, o sindicato reivindica uma co-determinação abrangente no local de trabalho com relação a todos os processos de digitalização, proteção dos empregos, amplas medidas de capacitação, saúde e segurança ocupacionais adaptadas aos novos requisitos e uma proteção mais abrangente da privacidade dos funcionários. Estas demandas também são feitas de forma semelhante pelo IG Metall. No âmbito das empresas, o IG Metall está almejando moldar a digitalização de tal maneira que permita mais auto-determinação e flexibilidade individual.

Para o IG Metall, a transformação impulsionada pela digitalização está vinculada com a reestruturação ecológica vindoura da indústria automotiva, centrada na transição do motor a combustão interna para o motor elétrico. Essa mudança tecnológica implicará alterações consideráveis, já que são necessárias bem menos peças para se construir um motor elétrico que um motor convencional (Iwer, 2018). O sindicato está tentando influenciar a transformação da indústria metalúrgica e como ela se desdobrará em vários âmbitos, sendo as políticas corporativas e de local de trabalho as principais áreas de atuação.

Um grande desafio tanto para o IG Metall quanto para o ver.di, mas também para outros sindicatos da DGB, é o trabalho por plataforma. A sindicalização de trabalhadores da economia de plataforma, contudo, ainda é um território em grande medida desconhecido para a maior parte dos sindicatos da DGB. Recentemente, houve conflitos na economia de plataforma, particularmente entre ciclistas entregadores de comida, que geralmente tinham contatos muito tênues – se é que tinham – com sindicatos da DGB.

Uma observação que provavelmente se tornará mais e mais significativa em muitas indústrias e em outros ambientes é a seguinte: a co-determinação é dificultada pela centralização e internacionalização das estruturas empresariais, já que contatos que tenham autoridade decisória são cada vez mais raros.

Perspectivas

Atualmente, os sindicatos da República Federal da Alemanha se veem diante de uma série de desafios. Há vários anos, as relações trabalhistas estão passando por mudanças fundamentais, e o papel das comissões de fábrica tem crescido – o uso disseminado de cláusulas de abertura em acordos coletivos tem se traduzido em novas tarefas para comissões de fábrica, e a carga de trabalho cotidiana tem aumentado. O sistema de negociação coletiva tem sido muito descentralizado, ao passo que diversos setores de trabalho industrial e prestação de serviços hoje não têm qualquer representação coletiva de interesses. A referência positiva a diferentes modelos de sindicalização tem testado as abordagens sindicais estabelecidas e, em alguns casos, mudado-as com sucesso. Contudo, o declínio no número de sindicalizados não pôde ser barrado em todos os espaços. Os sindicatos, porém, não podem ser desconsiderados ainda. A crescente importância das discussões sobre como enfrentar as mudanças climáticas também terá seu efeito sobre os debates e ações dos sindicatos.

Referências

Iwer, Frank (2018): Ökologischer Umbau der Automobilindustrie – die neue Herausforderung, in: Gute Arbeit, Ausgabe 2018, pp.85-103.

SCHROEDER, Wolfgang; WESSELS, Bern (orgs.) (2003): Die Gewerkschaften in Politik und Gesellschaft der Bundesrepublik Deutschland. Koblenz: Westdeutscher Verlag

ver.di (2015): Gute Arbeit und Gute Dienstleistungen in der digitalen Welt, Antrag E001 Gewerkschaftsrat; disponível online: https://www.verdi.de/++file++594a7ce4f1b4cd58bd9648a0/download/E001_2015_Gute_Arbeit_und_Gute_Dienstleistungen_in_der_digitalen_Welt_final.pdf