Vamos ser anticapacitistas?

Vamos ser anticapacitistas?

 

Patricia Almeida

Jornalista, especialista em Linguagem Simples e mestre em Estudos sobre Deficiência (CUNY – City University of New York).

 

Nós já sabemos que os brasileiros com deficiência são reconhecidos como sujeitos de direitos desde a Constituição de 1988, com confirmação pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), incorporada no Brasil como norma constitucional, em 2009, e aprofundada pela Lei Brasileira de Inclusão em 2015.

Mas será que eles estão exercendo esses direitos como requer a CDPD “em igualdade de condições com os demais”, ou seguem enfrentando obstáculos visíveis e invisíveis?

Para entender melhor os fatores que contribuem para a exclusão das pessoas com deficiência, é preciso compreendermos dois conceitos: o modelo médico e o modelo social da deficiência. 

De acordo com o modelo médico, a deficiência está na pessoa, que deve ser “curada”, ou ao menos “consertada” para ser incluída.

Já o modelo social leva em conta que a deficiência está no ambiente que não é adaptado às necessidades da pessoa com deficiência para que ela possa exercer sua cidadania.

De acordo com esse princípio, é dever do Estado e da sociedade se reestruturarem – com participação ativa das pessoas com deficiência – para garantir a inclusão de todos.

Esta charge abaixo, de Ricardo Ferraz, cartunista com deficiência, explica bem como isso acontece, por exemplo, no caso de eleições.

Podemos até achar que esse tipo de ilegalidade não existe mais. Mas, infelizmente, a mera existência de uma legislação robusta que determina a evolução do modelo médico para o modelo social não é suficiente para promover as mudanças necessárias.

O que constatamos diariamente é que muito do modelo médico ainda persiste e as pessoas com deficiência seguem enfrentando inúmeros obstáculos.

São barreiras físicas, como a falta de acessibilidade: rampas, piso tátil, banheiro adaptado, transporte acessível. Barreiras comunicacionais, como falta de intérprete de língua de sinais (Libras), braile, linguagem simples, comunicação alternativa.

Uma barreira que tem efeito transversal em todas as esferas da vida da pessoa com deficiência é a barreira atitudinal.

Nos últimos tempos, essa barreira ganhou um nome: capacitismo.

Assim como o racismo e o machismo, o capacitismo é uma forma de opressão. É acreditar que uma pessoa com deficiência vale menos do que uma pessoa sem deficiência. É hierarquizar vidas humanas, de acordo com o que se pressupõe que uma pessoa pode “produzir” para a sociedade.

Como os outros “ismos”, o capacitismo é estrutural e faz parte da cultura em que fomos criados.

Quer ver?

É capacitismo quando…

  • Olhamos com estranheza para uma pessoa com deficiência
  • Expressamos surpresa pela pessoa com deficiência fazer coisas “normais”
  • Falamos com adultos com deficiência em tom infantil
  • Usamos expressões ofensivas como “tá surdo?”, “parece autista!”, “deu uma de joão sem braço”…
  • Achamos que pessoas com deficiência são coitadinhas
  • Sentimos pena quando uma criança com deficiência nasce em uma família e tentamos “compensar” esse sentimento: “Deus dá a cruz do seu tamanho”, “crianças especiais nascem em famílias especiais”, “vocês são guerreiros”…
  • Exultamos qualquer realização de quem tem deficiência, como se fosse um super-herói
  • Acreditamos que pessoas com deficiência são anjos assexuais, eternas crianças
  • Usamos suas histórias como exemplos de superação.

Precisamos entender o conceito de “normalidade” como uma construção social. A nossa formação capacitista nos impede de ver a pessoa antes da deficiência. A deficiência não define a pessoa. Ela é apenas uma característica dela.

Em 2008, o MEC lançou a Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Um ano depois, estudo do INEP, realizado pela FIPE, apontou que 96,5% dos integrantes da comunidade escolar – professores, funcionários, estudantes, familiares – tinham preconceito em relação a pessoas com deficiência.

Dez anos se passaram e uma pesquisa da Folha de S. Paulo mostrou que, para 86% dos entrevistados, as escolas se tornam melhores com a educação inclusiva.

O que mudou?

A convivência é a chave da inclusão.

Hoje mais de 90% de estudantes com deficiência frequentam escolas comuns.

Quanto mais vemos pessoas de grupos sub-representados na escola, no trabalho, nas ruas, no dia a dia, na mídia, mais achamos “normal” que ocupem esses espaços, o que diminui o preconceito.

Ok, entendi o que é capacitismo. Me reconheço como capacitista.

Mas como faço para ser anticapacitista?

Diferentemente de outros grupos excluídos, a inclusão da pessoa com deficiência não acontece apenas com nossa mudança de olhar. Ela requer um recurso extra: acessibilidade. Fazer valer as leis; promover e cobrar acessibilidade em todos os espaços devem ser nossa primeira bandeira.

A organização britânica Scope perguntou às pessoas com deficiência o que uma pessoa sem deficiência poderia fazer para ser uma boa aliada anticapacitista.

Veja e coloque em prática essas 10 dicas e colabore para promover a inclusão!

  1. Ouça as pessoas com deficiência. Se você não tem certeza, pergunte! Não faça suposições nem complete as frases das pessoas!
  2. Nem todas as deficiências e condições são visíveis. E algumas mudam. Você pode não ser capaz de vê-las, mas elas ainda estão lá.
  3. Pense nas suas palavras. Não use palavras ligadas à deficiência como xingamento e chame atenção quando alguém usar um termo ofensivo.
  4. Defenda e promova acessibilidade e inclusão – especialmente na escola e no trabalho. Pergunte quais são as necessidades de acesso das pessoas; por exemplo, necessidade de receber apresentações antes de uma aula ou reunião.
  5. Eduque-se.
    Leia e conheça as vantagens e os benefícios que você tem como pessoa sem deficiência e aprenda a defender os direitos das pessoas com deficiência.
  6. Se você vê ou ouve bullying ou discriminação, fale ou denuncie.
  7. Não pressione. Se alguém diz que não pode fazer algo ou não está se sentindo bem, mesmo que pareça bem, não pressione.  
  8. Nunca assuma que alguém está exagerando ou “fingindo”. Só porque você não pode ver a condição de alguém, não significa que ela não existe.
  9. Não tem problema fazer perguntas. Mas se lembre de só perguntar coisas que você gostaria de responder sobre você mesmo! Nada de perguntas invasivas!
  10. Todos são diferentes. Nem toda pessoa com deficiência terá as mesmas dicas. E tudo bem.